domingo, 3 de abril de 2011

Carta aberta aos meus futuros ex-alunos - avaliação anual

O trabalho do professor é repleto de cobranças. Talvez por isso sejamos tão incisivos ao cobrá-los, meus futuros ex-alunos...

Estou, e a maior parte de nós professores e também vocês, num momento delicado: preparação, aplicação, correção e fechamento de notas bimestrais. Esse momento, que consome boa parte do tempo profissional e não profissional, está tomando neste ano por outra demanda ainda mais desgastante: a avaliação anual do professor.

Quanto mais convivo no ambiente escolar, mais me parece um ambiente empresarial, porém sem as especificidades de um empresa que lida com um capital muito valioso e complexo, o capital educativo. Imagine nas tarde chuvosas de fins de março, quando grupos de estudo e reflexão se reúnem, a despeito do trânsito desse inferno cinza e a falta de vagas para estacionar, para discutir textos complexos de teóricos da educação e compartilhar práticas que extrapolam a sala de aula, vaga lembrança para os coordenadores e diretores, abarcando questões gerenciais, o questionamento que surge ao se tocar no assunto avaliação de desempenho profissional...

Como avaliar um professor meus futuros ex-alunos? Talvez muitos respondem por vingança que devemos fazer provas, mas não se trata apenas de uma avaliação de conhecimentos, alias, muito pouco exigida do ponto de vista qualitativo nas escolas, trata-se de uma avaliação do osso desempenho profissional, que extrapola a questão do conhecimento específico. Claro que a opinião de vocês deve ser levada em conta, mas com que peso? Afinal vocês são apenas crianças de 10 a 14 anos de idade e não tem maturidade intelectual de uma análise mais profunda (anda que em muitas classes seria muito bom ser analisado apenas por vocês. Devemos envolver os pais também, claro, mas com que conhecimento do trabalho do professor: as notas no boletim, o caderno do filho, uma ou duas reuniões da quais participou, a compra de bilhetes na barraca da pescaria na festa junina? Apesar de maturidade, o questionamento que o pai pode fazer ao professor é relativamente limitado, sendo na verdade proporcional ao envolvimento do pai com o filho e com a escola.


Legenda: O cavalo de Tróia, do filme "Tróia" (2004). Daí surgiram diversos ditados modernos como "não é possível agradar gregos e troianos"...

Estamos chegando a algo meninos e meninas, quem mais pode opinar sobre nosso trabalho? Coordenadores de diretores. Pessoas bastante envolvidas com vocês, com os pais e conosco, talvez os mais indicados para fazer essa análise. Além de claro, assim como fazemos com vocês, uma auto-avaliação, como fazemos com vocês, nada mais justo. Como a história nos ensina, é impossível chegar a um denominador comum do que é um fato ocorrido no passado, mas é possível levar-se em conta diversos pontos de vista para se desenvolver uma opinião baseada no que existe de mais preciso para se avaliar um evento passado.

Mais uma vez voltamos ao início, toda empresa deve manter um controle da produtividade do sei funcionário, mas muitas escolas levam essa análise a níveis demasiadamente matemáticos, desconsiderando fatores emocionais envolvidos na aquisição desse capital humano. Assim como vocês, e essa é uma das minhas críticas mais severas ao sistema de avaliação das escolas hoje, somos avaliados por números como se também fossemos números desprovidos de qualquer outro tipo de capacidade intelectual que não se revertesse em alunos com boas notas, pais satisfeitos com as notas de seus filhos e coordenadores e diretores satisfeitos com o equilíbrio entre aprovados e reprovados.


Legenda: Abertura do seriado norte-americano "The Prisioner", que alcançou grande sucesso nos EUA na década de 60 e 70 cujo mote era "I'm not a number... I'm a free man!", que endeu inclusive uma homenagem pela banda de heavy metal britânica Iron Maiden.

Talvez essa postagem não faça sentido e talvez nunca faça porque talvez nunca nenhum de vocês jamais a lerá, mas nossa "incapacidade institucional" em formá-los em adultos conscientes nunca os permitirá, enquanto estiverem dentro de nossa instituição escolar, criticar esse sistema avaliativo empresarial a qual ambos estamos submetidos. É a "incapacidade institucional" presente nos sistema educacional não apenas de nossa escola, mas da educação, que nos uni meus futuros ex-alunos.

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