Data: 11 de junho de 2009
Em artigo que divide uma página inteira do caderno "Cotidiano" da Folha de São Paulo de quinta-feira da semana passada com uma enorme propaganda das Casas Bahia, o jornalista Fábio Grellet da sucursal do Rio de Janeiro informa que a prefeitura da capital fluminense está recolhendo exemplares da Coleção Pitaguá da editora Moderna por conter uma gravura do artista francês Theodor de Bry considerada "inadequada" para crianças entre nove e dez anos de idade por retratar indígenas tupiniquins praticando um ritual de canibalismo que inclui o empalamento da vítima.
Autoria Theodor De Bry (1592)Fonte: http://pro.corbis.com/
Legenda: gravura de índio tupinambás destroçando prisioneiros, reprodução do original de um livro de Hans Staden, 1557
A ilustração, como se refere o subtítulo da reportagem está acima. Antes da reflexão propriamente histórica é preciso considerar o que julgo o aspecto mais relevante dessa reportagem: a imagem é adequada ou não para crianças de nove a dez anos? Particularmente, acredito que me causaria certo desconforto que meus filhos tivessem contato com esse tipo de imagem, contudo, maior desconforto me causaria se meus filhos estivessem expostos a esse tipo de imagem fora do ambiente escolar.
Como educador, a atuação do professor tem como objetivo levar o estudante a conhecer, afinal, o que é o ambiente escolar senão o espaço para conhecer? Por excelênca, o objeto que intermedia essa relação é o livro didático. Desconsiderando os percalços inerentes à trajetória de um livro didático, das idéias de um autor até as carteiras escolares, penso que o educador deve trabalhar com o material, tanto didático como o humano, disponível, que nesse caso é a Coleção Pitaguá da editora Moderna.
Quando o educador opta por criticar o livro didático, desqualificando seu conteúdo, de certa forma está reconhecendo sua incapacidade em lidar com o material disponível que também é uma representação cultural e por isso possui um valor importante para o processo de aprendizagem do estudante. Utilizando sua criatividade, o educador poderia articular propostas a partir desse material envolvendo tanto a sala de aula de quarta série como o restante da comunidade escolar, desfazendo estigmas fundantes das sociedade judaico-cristã ocidental como a nudez, a alteridade e a "religiosidade", afinal, o empalamento faz parte de um ritual e no contexto histórico específico que a gravura pretende retrata não tem qualquer conotação sexual.
Autoria Theodor De Bry (1592)Fonte: http://pro.corbis.com/
Legenda: gravura de índios tupinambás comendo e cozinhando prisioneiros, reprodução do original de um livro de Hans Staden, 1557
Outras imagens do mesmo Theodor de Bry revelam outros aspectos da cultura dos mais antigos habitantes do território brasileiro como o canibalismo, idéia apropriada pelos modernistas como antropofagia e fundadora das bases do manifesto da Semana de Arte de 1922. Assim, uma nova possibilidade se abre para o educador, que pode, ainda através de sua criatividade, articular propostas de discussão do contexto em que essas imagens foram produzidas, explorando o livro de Hans Staden e como essas imagens tornam-se representação à medida que são reconstruídas segundo culturas específicas que se apropriam dela como os modernistas em 22 e os estudantes do século XXI.
Autoria Theodor De Bry (1594-1596)Fonte http://pro.corbis.com/
Legenda: gravura de índios derramando ouro derretido na boca de cristãos, como que saciando sua sede por ouro, retirada do livro La Historia del Mondo Nuovo de Girolamo Benzoni, publicado originalmente em 1565.
Cada vez mais sinto que educar é se reconstruir.

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