quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Midiofobia - No vale-tudo póstumo, caiu na rede, é peixe

Fonte: Estado de São Paulo
Data: 1º de agosto de 2009

Escrito por Sérgio Augusto, o artigo sobre os escritos pós-mortem de autores célebres, se ocupa em relatar algumas das muitas arbitrariedades praticadas por herdeiros em relação a obras de seus parentes como a publicação de diários, cartas, obras inacabadas, entre outros.

Considerando a literatura como arte e, portanto, a obra literária como patrimônio artístico, também, o autor torna-se uma espécie de patimônio, porém, uma vez que sua arte está impregnada de si mesmo, herdeiros, que detem o direito de exploração de direitos autorais por 70 anos após o ano da morte do autor (lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998), se vêem possuidores também da intimidade de seus parentes, explorando financeiramente escritos de caráter particular como os diários de luto de Roland Barthes, no qual o autor faz uma escrita catártica sobre a morte da mãe repassando suas angústias, como sua homosexualidade que procurou tratar sempre com muita descrição, e o esboço inacabado da novela The Original of Laura de Vladimir Nabokov, autor de Lolita, um marco na literatura romântica, que teve os direitos vendidos à revista Playboy.

A respeito do artigo tive duas experiências batante marcantes com direitos autorais que achei que valeriam a pena o post: ao longo da minha trajetória profissional trabalhei como iconógrafo numa editora de São Paulo, uma profissão ainda não muito conhecida e reconhecida: iconógrafo é a pessoa responsável pela parte iconográfica de uma publicação editorial como revistas e livros, assim, meu trabalho era pesquisar todos os tipos de imagens, desde tira até obras de arte ,que dialogassem com o texto proposto pelos autores, se possível de maneira menos ilustrativa e mais discursiva de modo a criar uma intertextualidade coerente. Porém, não tratava-se apenas de localizar imagens, era preciso tratar de resolução, orçamento e licenciamento, pois assim como textos, imagens também possuem direitos autorias que não podem ser violados.

Assim, parte do trabalho acontecia em bancos de imagens onde se pesquisava imagens com boa qualidade e preço, além de devidamente autorizadas para reprodução, contudo, eventualmente necessitávamos de imagens que se encontravam em poder de herdeiros, ou seja, imagens que ainda não cairam em domínio público (como expliquei anteriormente, 70 anos após a morte o autor). pós sua morte, muitos artistas brasileiros icônicos relegaram o direito autoral de suas obras a parentes que exploravam comercialmente não as editoras, que muitas vezes podiam arcar com o custo do licenciamento, mas não o faziam por contenção de gastos com determinadas obras, mas o público a qual era direcionada essa publicação, muitas vezes crianças em idade escolar a espera de um libro didático de qualidade, privando-o da cultura de seu próprio país.

Cria-se assim uma situação de exploração comercial de um patrimônio cultural, exploração essa que, ainda que seja legal, não deveria servir de esteio financeiro a herdeiros muitas vezes parasitários "Herdeiros, porque tê-los?". A legislação brasileira é muito conveniente com o direto constitucional à propriedade, seja ela qual for.

O segundo ponto é um incômodo particular: carrego comigo uma caderneta à qual procuro registrar reflexões mais íntimas, escritos que não sinto necessidade de compartilhar senão com uma folha branca de papel que um dia será tragada pelo tempo; contudo, e sem a pretensão de um dia conquistar sucesso como escritor, imagino o impacto de uma publicação (apesar da ironia do preço de livros e revistas no Brasil, a palavra "publicação" tem origem no termo "público", tornar de conhecimento de todos, comum) dessas cartas e diários particulares.

Penso que em torno de todo artista é construído uma plausiblidade, uma forma de compreender sua obra e seu tempo. Contudo, essa plausibilidade é estranha ao próprio artista, pois ela é externa a ele como um todo como complexo. Submeter seu íntimo publicamente equivale a tornar plausível, e portanto, estranho, o mistério da complexidade insondável do artista.

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