Carta ao Magro
Caro Sócrates
Aqui na terra estão gritando que “não vai ter copa”. Confesso que meu entusiasmo é maior com as manifestações que com o megaevento de junho deste ano. Nalgumas imagens das manifestações de junho de 2013, intuí sua presença, de braço erguido, entre os manifestantes. Escrevo para dizer que a coisa aqui está whitebloc e noutra noite sonhei conversando com você sobre a morte:
H: Caro Sócrates, é prazer em conhecê-lo pessoalmente. Como vê, estamos com pouca chuva, muitos apagões, pouco samba, pouco choro e rock’n’ roll.
S: É… tô sabendo. Por aqui, o velho Pedro foi dar um ‘rolezinho’ e empacou as chuvas.
H: Como está a morte?
S: Morte? Não entendi.
H: Desculpe. Você não quer falar sobre isso…
S: Podemos falar…
H: Tudo bem, todos temos medo da morte.
S: Eu não tenho medo da morte. Tenho medo é de morrer.
H: Como assim? Não é a mesma coisa?
S: A morte não é um problema filosófico pra mim.
H: E é o que?
S: É a vida vivida que faz sentido. Ou cria ou retira sentido. A morte é parte desse sentido na medida em que não faz sentido algum, porque levantamos todos os dias para viver.
H: A morte é uma ilusão, então?
S: Não. Ela só não cria sentido… quem cria sentido é o viver. O viver é o vivido
H: Não entendi. E esse nosso diálogo póstumo?
S: Você não o está vivendo? Então, não é um papo post-mortem.
H: Entendi. No entanto, você diz que tem medo de morrer. Faz sentido? Como?
S: Faz… o medo de morrer vem naquela hora em que você encontra a pessoa amada. Olha fixamente para ela, desfruta de toda sua beleza e teme perde-la de vista. A vida é feita desses sentidos plenamente vividos. Nessa hora, meu caro, ninguém quer morrer. O gostoso encontro da amizade com as pessoas e o gosto saboroso das coisas é o viver entendido como o vivido. Claro que não somos apenas bon vivant. Só estou falando do que faz ou cria sentido, se não o Trajano não estaria procurando Mônica até hoje! Ele é mestre do viver…
H: É… mas quando a morte se aproxima o que fazer?
S: Eu argumento. Lembra-se daquele filme do Ingmar Bergman, “O Sétimo Selo”, quando o cara joga xadrez com a morte? Pois é, deixe que ela goste do jogo. Que assista ao clássico Barcelona X Real Madrid ou que veja o Bayern, de Guardiola, jogar, mas argumente. Vá levando de teimoso e de pirraça…
H: Tudo bem, mas se não der para segurar o rojão, que dispara na sua direção e nos pega desprevenidos no meio da rua?
S: Aí a sombra da morte vai devorar seus sentidos, mas, repito, do viver vale o vivido. Todos nós temos direito ao último suspiro. Precisamos respirar bem fundo para sorver o último bocadinho de vida. Com o peito cheio de saudades, assopramos diretamente para a alma dos viventes e aí termina, meu caro. No meu caso, o suspiro foi de “calcanha”… tive tempo de me despedir de todos e trabalhar mais um pouquinho. A morte até hoje se sente vendida nesse lance. Logo em seguida, percebeu o xeque-mate e me traiu… ganhei o argumento: apesar de você, a vida continua…
H: Quem vai ganhar a Copa?
S: Espero que seja o futebol. Pode não ter copa, mas futebol não pode faltar. O megaevento, como a morte, ceifou a memória do Maraca e violou direitos da população mais vulnerável, eu sei, mas as manifestações são o vivido. Não podemos nos acomodar ao conforto das novas ‘arenas’ enquanto milhares de geraldinos ficam à margem ou somem feito o Amarildo. Esse é um momento importante para o reencontro com o país… tá, vendo? Continuo a argumentar. Lembre-se: a morte se distrai, mas não ela desiste. Não se engane, engane-a.
H: Abraço e obrigado pelo encontro, pelo sabor das coisas ditas.
S: Aproveito para mandar lembranças para os seus…
H: Viu que o seu Corinthians venceu ontem finalmente?
S: Ufa!
Fonte: http://blogdojuca.uol.com.br/2014/02/57323/
Autor Humberto Miranda
Caro Sócrates
Aqui na terra estão gritando que “não vai ter copa”. Confesso que meu entusiasmo é maior com as manifestações que com o megaevento de junho deste ano. Nalgumas imagens das manifestações de junho de 2013, intuí sua presença, de braço erguido, entre os manifestantes. Escrevo para dizer que a coisa aqui está whitebloc e noutra noite sonhei conversando com você sobre a morte:
H: Caro Sócrates, é prazer em conhecê-lo pessoalmente. Como vê, estamos com pouca chuva, muitos apagões, pouco samba, pouco choro e rock’n’ roll.
S: É… tô sabendo. Por aqui, o velho Pedro foi dar um ‘rolezinho’ e empacou as chuvas.
H: Como está a morte?
S: Morte? Não entendi.
H: Desculpe. Você não quer falar sobre isso…
S: Podemos falar…
H: Tudo bem, todos temos medo da morte.
S: Eu não tenho medo da morte. Tenho medo é de morrer.
H: Como assim? Não é a mesma coisa?
S: A morte não é um problema filosófico pra mim.
H: E é o que?
S: É a vida vivida que faz sentido. Ou cria ou retira sentido. A morte é parte desse sentido na medida em que não faz sentido algum, porque levantamos todos os dias para viver.
H: A morte é uma ilusão, então?
S: Não. Ela só não cria sentido… quem cria sentido é o viver. O viver é o vivido
H: Não entendi. E esse nosso diálogo póstumo?
S: Você não o está vivendo? Então, não é um papo post-mortem.
H: Entendi. No entanto, você diz que tem medo de morrer. Faz sentido? Como?
S: Faz… o medo de morrer vem naquela hora em que você encontra a pessoa amada. Olha fixamente para ela, desfruta de toda sua beleza e teme perde-la de vista. A vida é feita desses sentidos plenamente vividos. Nessa hora, meu caro, ninguém quer morrer. O gostoso encontro da amizade com as pessoas e o gosto saboroso das coisas é o viver entendido como o vivido. Claro que não somos apenas bon vivant. Só estou falando do que faz ou cria sentido, se não o Trajano não estaria procurando Mônica até hoje! Ele é mestre do viver…
H: É… mas quando a morte se aproxima o que fazer?
S: Eu argumento. Lembra-se daquele filme do Ingmar Bergman, “O Sétimo Selo”, quando o cara joga xadrez com a morte? Pois é, deixe que ela goste do jogo. Que assista ao clássico Barcelona X Real Madrid ou que veja o Bayern, de Guardiola, jogar, mas argumente. Vá levando de teimoso e de pirraça…
H: Tudo bem, mas se não der para segurar o rojão, que dispara na sua direção e nos pega desprevenidos no meio da rua?
S: Aí a sombra da morte vai devorar seus sentidos, mas, repito, do viver vale o vivido. Todos nós temos direito ao último suspiro. Precisamos respirar bem fundo para sorver o último bocadinho de vida. Com o peito cheio de saudades, assopramos diretamente para a alma dos viventes e aí termina, meu caro. No meu caso, o suspiro foi de “calcanha”… tive tempo de me despedir de todos e trabalhar mais um pouquinho. A morte até hoje se sente vendida nesse lance. Logo em seguida, percebeu o xeque-mate e me traiu… ganhei o argumento: apesar de você, a vida continua…
H: Quem vai ganhar a Copa?
S: Espero que seja o futebol. Pode não ter copa, mas futebol não pode faltar. O megaevento, como a morte, ceifou a memória do Maraca e violou direitos da população mais vulnerável, eu sei, mas as manifestações são o vivido. Não podemos nos acomodar ao conforto das novas ‘arenas’ enquanto milhares de geraldinos ficam à margem ou somem feito o Amarildo. Esse é um momento importante para o reencontro com o país… tá, vendo? Continuo a argumentar. Lembre-se: a morte se distrai, mas não ela desiste. Não se engane, engane-a.
H: Abraço e obrigado pelo encontro, pelo sabor das coisas ditas.
S: Aproveito para mandar lembranças para os seus…
H: Viu que o seu Corinthians venceu ontem finalmente?
S: Ufa!
Fonte: http://blogdojuca.uol.com.br/2014/02/57323/
Autor Humberto Miranda

Nenhum comentário:
Postar um comentário