sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Midiofobia - Leia com atenção - ou não

Fonte: Folha de São Paulo (http://contardocalligaris.blogspot.com/2010/09/leia-com-atencao-ou-nao.html)
Data: 09 de setembro de 2010

Como faço todas as quintas-feiras, cheguei à escola bem cedo, não apenas porque o trânsito de São Paulo é muito ruim em qualquer horário do dia, o que creio eu, ao longo da evolução humana, tornará os paulistanos as espécies mais pacientes e precavidas já conhecidas, mas também para ler com calma os dois cadernos mais importantes da Folha de São Paulo que se pode ler em quinze minutos, pois como já escrevi, o trânsito de São Paulo é, definitivamente, muito ruim: o caderno de esportees, sobretudo quando temos notícias diferentes do que "Palmeiras perde mais uma em casa", "Felipão se diz decepcionado com o time" e "Apesar de exames não detectarem lesão, Lincoln reclama de dores e segue fora" e a Ilustrada, com especial atenção os quadrinhos de Laerte, Adão e Caco Galhardo (para minha surpresa em nova fase com a "Lili ex"), além da crônica sempre muito interessante de Contardo Calligaris.

Por estar numa sala de professores lotada, com mestres e seus aventais brancos lutando uns contra os outros por um café e um pedaço de pão francês com manteiga, a crônica "Leia com atenção - ou não" se tornou mais um cômica. O artigo trata de o quanto é possível estabelecer boas relações em estado de "atenção flutuante", termo emprestado de Freud pelo psicanalista italiano radicado no Brasil para explicar recentes estudos.

Calligaris toma como exemplo o médico da série House, que resolve os misteriosos casos médico quando finalmente deixa de refletir objetivamente sobre o assunto e procura distrair-se : "House entra num bar para assistir a um jogo de futebol. Vergonha: ele deveria estar preocupado com seu paciente, não é? Mas eis que um zagueiro faz um gol contra, e a distração desse momento-futebol permite que House se lembre de que, às vezes, o organismo também faz gol contra: heureca, doença autoimune!". Esse estado de "atenção flutuante" é apresentado por muitos estudantes, entre os quais me incluo, em sala de aula, e é visto por professores muitas vezes como falta de concentração.

A esse propósito, Calligaris divulga estudo demonstrando que nos anos 70 nos Estados Unidos o índice de crianças com TDH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) eram de 12 em cada mil nos anos 70, enquanto nos anos 90 chegou-se a 34 em cada mil. Uma mudança em nossas crianças? Não. O psicanalista afirma que ocorreu uma grande mudança na nossa cultura, uma vez que hoje a divagação enquanto habilidade não é valorizada como nos anos 70, sendo substituída pelo "controle executivo", função também indipensável.

Enquanto os mestres devoravam seus pães franceses com manteiga e bebiam seus café refleti o quanto enquanto professores ainda somos ingênuos ao analisar como se processa o aprendizado do estudante, até porque nós enquanto seres que estão em constante proceso de aprendizagem também possuimos nossos próprios processo de aprendizagem que são tão particulares. Além disso, refleti o quanto os pais estão dispostos a gastar de seu tempo com seus filhos para compartilhar experiências que possam levar a criança a uma nova condição valorizando sua própria maneira da aprender, e não gastar seu dinheiro, que é muito mais barato do que seu tempo, para garantir o aprendizado através da medicalização do ensino, a "pedagogia da Ritalina".


Fonte: http://www.cidademarketing.com.br/2009/n/987/novartis-compra-corthera-e-ganha-direito-de-remdio-para-corao.html

Impossível concluir essa postagem sem inserir o que Calligaris esceve ao final de sua crônica: "À luz dessas pesquisas, seria bom reavaliar nossa hipervalorização da atenção focada e, sobretudo, nossa medicalização sistemática de crianças que, às vezes, com toda razão, gostam de sonhar de olhos abertos."

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