segunda-feira, 13 de junho de 2011

Midiofobia - Comentário de policial em palestra gera protesto global da 'marcha das vagabundas'

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,comentario-de-policial-em-palestra-gera-protesto-global-da-marcha-das-vagabundas,717188,0.htm
Data: 10 de maio de 2011

Foi com surpresa que conheci a marcha de protesto conhecida como "Slutwalk": um movimento organizado por mulheres em Toronto, Canadá, após um policial declarar durante uma palestra que uma jovem canadense foi estuprada por usar roupas insinuantes, como se fosse uma vagabunda ("slut").

Achei interesante a postura que a imprensa tomou diante desse movimento, pois nenhum dos dois maiores jornais de São Paulo assumiram posturas objetivas: o Estado de São Paulo pouco noticiou o evento enquanto a Folha de São Paulo apesar de maior destaque se limitou a ouvir manifestantes. Mas afinal, qual a função de um jornal senão garantir o acesso à informação e à formação de seus leitores?

Não é simples asumir uma postura, sobretudo num tema polêmico, mas não posso deixar de refletir sobre o ocorrido, pois assim como alguns protestos de minorias, a "Slutwalk" parece perder o contato com a realidade objetiva

Primeiramente, o que o movimento contesta? Se contesta, como está escrito no site oficial, a conduta do policial canadense (e a polícia canadense como um todo caso esta não tenha se manifestado contra o comentário), de se referir à mulheres de roupas insinuantes como "sluts", concordo com uma mobilização daqueles que se vestem dessa maneira, pois generaliza como vagabunda pessoas que possuem o mesmo estilo de vestir-se. Ainda que não me agrade a maneira insinuante de muitas mulheres se vestirem, vivemos numa sociedade em que as liberdades individuais são garantidas consitucionalmente e por isso devem ser respeitadas.

Além disso, o comentário parte de um profissional que deve evitar delitos como estupros. Dessa maneira, a questão torna-se ainda mais complexa, pois a polícia que deveria servir e proteger, responsabiliza pelo delito aquele que o sofre, como se se eximisse da responsabilidade de seu próprio dever.

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Henri_de_Toulouse-Lautrec_064.jpg
Legenda: A Toalete, de Henri de Toulouse-Lauterc, 1891

Até esse momento parece interessante a proposta do "Slutwalk", porém, a proposta tem se perdido. Como acontece com movimento sociais que crescem, como foi o movimento hippie nos anos 60 e o movimento punk nos anos 70, pessoas forjam identidades para se identificarem distorcendo as propostas. No caso da "Slutwalk", a impressão que tenho pelo que leio e ouço, é que o movimento está muito mais voltado à moda do que propriamente à defesa das liberdades individuais.

Deixando de lado a questão preconceituosa da declaração do oficial canadense e desdobrando a reflexão para um campo mais amplo, não concordo com a maneira que as muitas pessoas se vestem, sobretudo com a extravagância que nossa sociedade permite a todos, mas isso não quer dizer que devam ser estupradas por isso; como escreveu Voltaire: "Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo". Porém, me pergunto se a humanidade está pronta para lidar com toda essa liberdade que o século XXI nos proporciona, pois querendo ou não, nenhuma força policial jamais estará sufiicientemente preparada para garantir a segurança de pessoas que utilizam sua liberdade para atrair a atenção.

Não se trata de censurar qualquer tipo de manifestação ou mesmo vestimenta, mas de reconhecer que não vivemos num mundo proposto pelos ideais constitucionais de filósofos iluministas do século XVIII, e sim num mundo em que o Estado, mesmo em países desenvolvidos como o Canadá, não é capaz de garantir a segurança da população contra um abuso sexual, seja qual for o motivo que leve a isso.

Parece-me que se expor demasiadamente para exercer sua liberdade individual é deixar a cargo do Estado sua segurança, abrindo mão de sua própria responsabilidade sobre si mesmo, e nenhum país, nem pessoa, está, ou deveria estar, pronto para isso.

O preço da liberdade não é a eterna vigilância, é a eterna responsabilidade.

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