terça-feira, 15 de janeiro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

Apesar de todas as tentativas desesperadas de escrever algo durante as férias, apesar de tentar, em vão, manter alguma disciplina para escrever nas férias, esse período tem se tornado, a cada ano mais, momento da suspensão de toda rotina, seja ela profissional, seja ela particular.

A rotina garante uma segurança incômoda.

Depois de alguma insistênca de minha última avó, resolvi ler um de seus autores favoritos, o australiano Morris West, best seller com "As Sandálias do Pescador" e "O Advogado do Diabo" (que ganhou uma versão cinematográfica com Keanu Reeves e Al Pacino em 1997). Alguns elementos particulares contribuiram para a habilidade de West em contar uma boa história como ter viajado muito durante toda a vida, a rígida formação religiosa e seu rompimento com ela - aliás, arrisco-me a dizer que rompimentos com a religião produzem seres humanos cada vez mais interessantes - e a participação no exército australiano durante a Segunda Guerra Mundial (agradecimentos especiais ao oráculo Wikipédia).

Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=dcR047m8_bU


Seu estilo de escrita direto e objetivo, permeado de muito diálogos, revela algo que cada vez mais tem se pedido na literatura: a capacidade de contar uma boa história.

Estou lendo um livro chamado "Salamandra" que se passa na Itália pós Segunda Guerra Mundial, na qual o país, como muitos outros durante a Guerra Fria, flertava com perspectivas ideológicas diversas mergulhando em conflitos internos, observando com muita astúcia está Dante Alighieri Matucci, que, trabalhando despojado de qualquer emoção política, se torna um investigador extremamente eficiente do SID (Servizio Informazione Difesa). Matucci investiga a morte de uma general simpatizante do regime fascista temendo que o fato desencadeie um golpe de Estado, descobrindo conspirações e intrigas de potências estrangeiras interessadas no futuro político da Itália.


West viveu na Itália e no Vaticano durante um período de sua vida e talvez escreva com tanta propriedade sobre o país, apesar de não ser italiano de nascença, minha percepção, pelo que leio e estudo, e talvez um dia veja com meus próprios olhos, é de uma Itália, e talvez mesmo de um panorama político mundial, retratada à perfeição até os dias de hoje pelas palavras de outra personagem muito interessante, o Diretor do SID

"É uma homem presunçoso, Coronel. Contudo, posso perodá-lo porque também sou presunçoso, com frequencia e em demasia. Sou presunçoso quanto à minha família, quanto à minha forutna e quanto a considerar-me um produtos de todas as aliaças feliz e infelizes de nossa história. De certo modo,  sou um homem de ontem, mas també a Itália é um país de onttem tanto quanto hoje. Construimos nossas casas sobre túmulos, levantamos nossa prosperidade sobre ruínas, monumentos papais e gênios dos antigos mortos. Nossas leis são uma mistura de disparatas de justiniano, do Código de Direito Canônico, de Napoleão, de Mussolini e de fundadores dos Estados Unidos. Nossa nobreza é uma salada de velhas famílias e dos arrivistas posteriores, enobrecido pela Casa de Savóoia. Em politica, somos marxistas, monarquistas, socialistas, liberais, fascistas e democratas-cristãos - oportunistas todos! Somos os melhores homens de negócios e os piores burocratas do mundo. Somos uma nação de anticlericais e há séculos manobramos a Igreja Católica. Proclamamos uma democracia republicana federal e temos em cada província um continente à parte. O país de cada homem é a miserável aldeia que por acaso nasceu... Agora, você meu caro Coronel, quer que eu lhe diga os fins que tenho em vista e para onde estou encaminhando o Serviço de Informação de Defesa... Deixe-me inverter a questão e perguntar o que era que você faria se estivesse no meu lugar, como um dia poderá estar se tiver frieza e habilidade suficientes e estiver dispostoa pagar o preço que terá que ser pago... Não tem resposta? Então aqui está a minha. Os nossos problemas não serão resolvidos por uma eleição, por uma coligação de partidos ou pela vitória de um sistema sobre o outro. Somos mediterrâneos, Coronel. Somos, quer isso nos agrade, quer não, uma mistura mestiça de gregos, latinos, fenícios, árabes, celtíberos, vikings, visigodos e dos hunos de Átila. Vivemos, como há séculos estamos vivendo, num equilíbrio precário de interesses de tribos e de famílias. Quando o equilíbrio se quebra,, ainda que ligeiramente, murgulhamos na desordem a na luta civil. Quando essa luta, se torna sangrenta para todos nós, pedimos trégua, e um libertador, que pode ser a Igreja, um salvador pessoal ou, o que é mais patético de tudo, políticos e burocratas tão ensanguentados e confusos como todos nós. Os espanhóis, os gregos e os portugueses recorreram a ditadores. Os árabes se livraram das potências coloniais e as substituíram por autocratas locais. Nós os italianos, experimentamos um ditador e reduzimos a democracia a cacos. Agora, não sabemos o que queremos. Eu? Não sei o que o povo quer. Não posso nem julgar o que os tolerará. Em vista disso, manejo informações e situações para manter as coisas em equilíbrio, tanto quanto me for possível. Não quero uma ditadura e não quero o marxismo. Tenho certeza de que a espécie de democracia que temos é instável demais para durar. Mas, aconteça o que acontecer, tentarei fazer o que vier o mais tolerável possível. A política é a arte do possível. A política mediterrânea é a arte do impossível, e eu compreendo isso mais do que a maioria. Você está preocupado com Leporello, mas não tem provas contra ele, e eu nao vou antagonizá-lo no momento exato em que podemos precisar dele. Está preocupado com a Salamandra que, confesso, não faz sentido ainda para mim. Quer fazer uma investigação livre? Concordo com isso, mas compreenda, Matucci. Quando eu começar a me mover no tabuleiro, o rei serei eu, e você passará a simples peão. Serve assim?"

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