domingo, 23 de março de 2014

"Batatinha quando nasce..."

Mais uma balada

En ce bordeau ou tenons nostre estat.
François Villon

o cancro não mente, semente
imperdoável, quanto há de ser notável
dileto, seleto esqueleto violáceo,
olho fígado cu da tempestade
o cancro não se faz pela metade,
ilha sobre ilha, armadilha de flores,
rebrilhar do sol sobre bouba sem boutade,
neste bordel onde trepamos à vontade.

a guerra não sente, demente
olhar o que há na TV, paz, passeata, matinê
de gritos brancos sob treva oca, a cama
em que imagens podres babam sem alarde
sementeira de bombas, asco que tanto arde
quanto, destarte, planeta se desfaz em dores,
cólica sem arte, fermento que já vem tarde,
neste bordel onde trepamos à vontade.

o cósmico silente, áurea lente
abrir-se d'olho cego abstratamente,
nem queira vir de verso que em reverso
sonharás perverso dom do diluir cidade,
pois quanto senti nem me lembro: invento
o vento sem tempo, flutuar odores
no vago, vaso vazio da emporcalhada verdade,
neste bordel onde trepamos à vontade.

envoi

senhor, dos males que tanto temo
livrai-me, turvo tumor tudo quanto late
no planeta torvo em pústulas do demo,
bordel onde trepamos dessarte.

Afonso Henriques Neto

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