terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Carta aberta aos meus futuros ex-alunos - "por culpa sua meu filho agora quer fazer história!"

De volta ao trabalho, na realidade o trabalho nunca nos deixa depois de entrarmos nele, meus queridos futuros ex-alunos, achei que poderia começar o ano escrevendo sobre uma frase proferida por uma mãe a um professor num daqueles intervalos rápidos em que se engole um café e um pão com manteiga: "por culpa sua meu filho agora quer fazer história!".

Imagino que, a exceção daqueles filhos de funcionários da escola, bolsistas e inadimplentes, a maior parte de vocês vem de famílias com excelente poder econômico, pois criar um filho é extremamente caro e a maior despesa é a educação (não apenas com as mensalidades, mas estudos de meio, material escolar, trabalhos com colegas, etc). Aliás, me recordo de quando era criança o quanto me incomodava quando primos com mais dez ou quinze anos de diferença falavam que criar um filho era muito caro, talvez porque sempre senti falta das excentricidades da massa familiar reunida aos domingos em mesas recheadas de pratos intermináveis, que decadente entrou os anos 90 sob o argumento de que "criar um filho é muito caro". Talvez vocês façam parte de uma geração que não se incomode com tal afirmação e eu não pretendo utilizar as letras para lhes despertar saudades desconhecidas.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:AlfredNobel_adjusted.jpg
Autoria Gösta Florman (1831–1900) / The Royal Library
Legenda: O inventor da dinamite e criador do prêmio nobel Alfred Nobel em foto da segunda metade do século XIX. Apesar do prêmio ser entregue a personalidades em diversos campos como química, medicina, física e literatura, o único representante das ciências humanas! Afinal, ideias são mais perigosas que dinamites!

Ao se deparar com o filho interessado por disciplinas cuja possibilidade de crescimento econômico seja inferior à que se espera, como as disciplinas socais como geografia, filosofia e história, os pais temem pela opção profissional dos filhos, pois essa é uma escolha antes de tudo social como viver em determinado bairro e utilizar determinado carro; e é compreensível que esses desejem uma educação profissional visando perpetuar esse poderio econômico.

Ainda que revistas como a Veja já possuam espaços específicos para o tema educação, só recentemente o Estado de São Paulo destacou um caderno específico para o tema uma vez por semana, enquanto a Folha de São Paulo dedica apenas algumas poucas páginas, também uma vez por semana, para educação, e em todos esses meios as abordagens são extremamente economicistas.

A reportagem de 15 de dezembro da revista Veja, entitulada "Apostas nota 10", pretende apresentar ao leitor os jovens "mais talentosos de suas geração", que "estão se preparando para ocupar cargos de comando na empresas e na política - e, melhor, ambicionam consertar o Brasil", dos jovens apresentados temos futuros médicos-cirurgiões, juízes, banqueiros, publicitários e engenheiros; profissões que sem dúvida deixariam seus pais satisfeitos meus futuros ex-alunos, e ainda mais, deixariam o país satisfeito. Observa-se na mídia e nas políticas educacionais a preocupação no investimento, sejam eles financeiros ou morais, em profissionais das áreas das ciências biológicas e exatas (no caso da reportagem da Veja, as exceções são o direito e a publicidade), excluindo as ciências humanas e influenciando diretamente seus pais a ponto de ouvirmos frases como a que abre a postagem.

Ao me questionar o porque desse tipo de exclusão das ciências humanas da mídia e do investimento do poder público reconheci que a diferença da ciências humanas para com as outras ciências é que, boa parte das ciências ditas "humanas" não são essenciais para manter a sociedade que vivemos em funcionamento. Explico.

Com isso quero dizer que para manter o funcionamento da sociedade atual são indispensáveis profissionais das ciências exatas como engenheiros. Isso ocorre não apenas por uma questão de necessidade factual, pois as proporções continentais de um país como o Brasil demanda cuidados igualmente grandes como por exemplo softwares específicos para gerenciar os impostos pagos por quase 200 milhões de pessoas, mas para que se perpetue essa "cultura das ciências exatas" predominante no século XXI, em que eleições são determinadas por artifícios econômicos como redistribuição de renda para população que permance economicamente ociosa diante de infra-estruturais faraônicos que beneficiam o empresariado, concentrados ainda mais a renda que estreita a classe média com cada vez menos poder de decisão eleitoral.

Fonte: http://www.backtoclassics.com/gallery/fransdemomper/heliconorminervasvisittothemuses/
Autoria Frans De Momper
Legenda: Atenas visita as Nove Musas de Muses por Frans De Momper (séc XVII). Talvez a deusa da sabedoria da Grécia antiga estivesse simplesmente avisando: Cuidado! O século XXI não lhes reserva muito espaço!

De maneira similar, mas não igual, estão as ciência biológica, também de uma maneira mais ou menos geral, ligadas ao funcionamento da sociedade, não tanto pelo seu peso eleitoral ou financeiro, mas pela sua aplicabilidade à vida prática como ocorre com médicos e os profissionais da aárea da saúde. Não quero dizer com isso que a profissão é valorizada pelo poder público (isso seria facilmente perceptível através da melhor remuneração e condição de trabalho do profissional da medicina), mas pela sociedade, uma vez que, diferentemente de um professor, o médico é requisitado em momentos de fragilidade física e, consequentemente, emocional, tornado seu sucessso profissional emocionalmente reconhecido, enquanto o professor é uma figura constante pela obrigatoriedade do ensino público gratuito segundo a constituição e seu sucesso profissional é medido pela quantidade de estudantes aprovados (ainda que estes estejam sem condições intelectuais de ingressar no ano acadêmico seguinte). Além disso, existem, ainda que no Brasil esse tipo de trabalho seja muito pouco valorizado em termos de investimentos tanto públicos como particulares, os campos de pesquisa das ciências da saúde imprescindíveis considerando a complexidade da sociedade em que vivemos, no qual uma vez mais o fator emocional juntamente com a aplicabilidade prática das ciências biológicas, torna o profissinal das ciências biológicas reconhecido como através de prêmios internacionais como o Nobel.

Por fim, as ciências humanas que ocupam nas "engrenagens" da máquina do gerenciamento social do nosso século em três campos: os profissionais de comunicação como jornalistas e produtores de televisão, os profissionais ligados às ciências exatas como economistas e adnministradores, e os profissionais do direito, sobre o qual está fundada a nossa concepção de sociedade desde o surgimento das democracia ateniense no século IV a.C.. Contudo, assim como as ciências biológicas, parte das ciências humanas tem uma "função subcutânea", quero dizer indispensável, mas quase que imperceptível, na nossa sociedade atual, como profissionais das ciências eminentemente sociais como geógrafos, psicólogos, antropólogos e educadores.

Como integrante deste último grupo, especificamente como professor de história (pois no nosso país não se reconhece o profissional de história que não seja professor, não existe a profissão "historiador"), reconheço que, como seus pais, a profissão, que não se restringe apenas a profissionais das ciências humanas, mas também das ciência biológicas e exatas como químicos, biólogos e físicos, não é promissora no que diz respeito ao reconhecimento pelo poder público e, muitas vezes, pela sociedade, além de não justificar o investimento acadêmico no ensino superior tendo em vista uma futura compensação financeira. Somente hoje, decorridos sete anos entre o ingresso na universidade e o estabelecimento profissionalmente que percebo o quando minha motivação ao escolher o curso foi emocional, e através dessa emoção que mantenho-me professor, mas não devido a esse romantismo pedagógico enlatado vendido em cursos de capacitação pedagógica e spams de internet, mas por reconhecer a transformação que a história enquanto forma de compreender o mundo operou em mim mesmo ao longo desses anos.

Não quero, até porque seus pais e a direção da escola não permitiriam isso, influenciá-los a escolher uma profissão, mas aconselho a serem diplomáticos, pois na sociedade em que vivemos, nem sempre nossas habilidades são reconhecidas financeira e profissionalmente e conviver com uma escolha é sempre muito mais difícil que simplemente aceitá-la.

Bom início de 2011!

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