sábado, 22 de janeiro de 2011

Midiofobia - Não é a chuva que deve ir para a cadeia

Fonte:Estado de São Paulo (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110114/not_imp666012,0.php)
Data:14 de janeiro de 2011

Assim como todos os anos a grande festa do carnaval escolhe suas escolas campeãs, as chuvas de verão estão se tornando eventos dignos de tradição por todo o Brasil, não pela sua intensa ocorrência (ou recorrência), mas pelo destaque da mídia em torno desses eventos que despertam incrível admiração pública ao longo dos últimos anos, resultando em julgamentos criterioso feitos pelos juízes populares em conversas dispersas nas padarias e pontos de ônibus: "Você viu quanto encheu a Barra Funda? Quase três metros!", "Dá pra pegar um segundo lugar nesse quesito, já que em algum lugar da zona leste que não me lembro o nome a água foi a 5 metro!" ou "Nossa! O salvamento mais incrível que vi esse ano foi de uma mulher na Globo que amarrou uma corda na cintura e foi puxada pelos vizinhos! Coitado do cachorro que ela teve que largar... Parecia filme!".


Fonte: http://www.flickr.com/photos/marcelomendesdeoliveira/3036668188/
Autoria Marcelo Mendes de Oliveira

Esse desfile de enchentes e inundações, que já possui horários determinados dentro das grades das emissores de TV e rádio, são uma preparação para a grande "festa da carne", que ocorre geralmente em fevereiro (nesse ano no início de março), conforme manda a latinidade imperial: "panis et circensis!", quando da embriaguez das festas de fim de ano e do 13º salário restam apenas a ressaca fragmentada de letras confusas dispostas em impressões matriciais como IPVA e IPTU. Nesse ano, desbancando a favorita do ano passado, pelo menos para nós paulistanos, a Vila Pantanal (aliás, como habitar um local cujo nome é Vila Pantanal? A palavra "Pantanal" por acaso não remete à paisagem alagadiça presente no coração do Brasil?), a região serrana do Rio de Janeiro tornou-se a grande campeão segundo o juri técnico-midiático e o juri popular, se destacando em absolutamente todos os critérios de avaliação.

Até agora, a opinião mais consciente e interessante que li sobre o assunto foi publicada no Estado de São Paulo por Mario de Sá Correia, o título resume em poucas palavras como a mídia NÃO tem tratado o assunto: não é a chuva que deve ir pra cadeia.

A sujeição do homem às condições climáticas é de caráter antropológico, e determina a evolução não apenas do ser humano, mas das espécies, numa perspectiva temporal mais curta, e observando a história, a reincidência da precipitação em determinadas áreas em determinados períodos do ano é recorrente como mostram as gazetas cariocas ilustradas por Angelo Agostini e as fotos da São Paulo da década de 60 e até mesmo o imperador Dom Pedro II em seu diário já constata que a região serrana do Rio de Janeiro, em particular Petrópolis, fundada por Sua Majestade Imperial, sofre com as enchentes desde pelo menos metade do século XIX (ver link: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110114/not_imp665956,0.php).


Fonte: http://theurbanearth.wordpress.com/2010/03/14/sao-paulo-e-suas-enchentes/
Legenda: Marginal Tietê, São Paulo, 1960.

Fonte: http://theurbanearth.wordpress.com/2010/03/14/sao-paulo-e-suas-enchentes/
Legenda: Túnel do Anhangabaú, São Paulo, 1963.

Fonte: http://theurbanearth.files.wordpress.com/2010/03/vale-do-anhangabau-1967.jpg
Legenda: Vale do Anhangabaú, São Paulo, 1967.


Fonte: http://gibitecacom.blogspot.com/2010/04/agostini-rio-de-janeiro-e-chuva.html
Legenda: O tempo tambem quiz tomar parte no entrudo; e o esplenduroso prestito dos Fenianos teve a mesma sorte do que o exercito de Pharaó na passagem do mar Vermelho! Figura 2 - AGOSTINI, Angelo. Revista Illustrada. Anno 9, nº 373. Rio de Janeiro, 1884. (p.4).


Fonte: http://cartumfazescola.zip.net/
Legenda: Assim foi d'esta vez; o Rio de Janeiro quasi não viveu esta semana. O novo anno começou mal. 1883 foi o anno dos terremotos; contaram-se mais de tres duzias. 1884, parece, chamar-se-á o anno das inundações, senão do dilúvio. Figura 1 - AGOSTINI, Angelo. Revista Illustrada. Anno 9, nº 368. Rio de Janeiro, 1884. (p.4).

Não quero dizer com isso que devamos procurar responsáveis para a situação que vive a região serrana do Rio de Janeiro, mas é preciso reconhecer que, além da falta do Estado (que aliás escrevemos com "E" maiúsculo) proporcionando condições habitacionais dignas e fiscalização das áreas de risco, esse mesmo Estado (maiúsculo novamente) deixa de apropriar-se da ciência, seja ela social como a história, ou das natural como a meteorologia, enquanto "atividade humana baseada em conceitos e princípios desenvolvidos racionalmente e na utilização de um método definido, por meio do qual se produzem, se testam e se comprovam conhecimentos considerados objetivos e de validade geral" para determinar a ocupação organizada do espaço.


Enquanto isso, o "carnaval da água", que antecede o "carnaval da carne", vende a "brasilidade de exportação" como pacote turístico, e por isso, importante para a economia do país, como uma nação de constrastes no qual antagonizam o Estado (novamente, e espero que nessa postagem a última vez, maiúscula) e a natureza.

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