segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Carta aberta aos meus futuros ex-alunos - Retomando... e pra animar, Veríssimo

Enquanto escrevo no teclado do laptop, meu pé esquerdo dói com uma bolsa de gelo pressinando meu tornozelo, recomendação médica depois da torção na cidade de Ouro Preto num estudo de meio há algumas semanas atrás.

Há muito tempo não escrevo nesse bog como se escrevesse para vocês, meus futuros ex-alunos. Talvez tenha perdido aquela sensação de proximidade e novidade tão peculiar aos iniciante, talvez precise reiventar esse espaço... Quero refletir sobre o estudo de meio, mas antes queria retomar com uma crônica muito bacana...

LUIS FERNANDO VERÍSSIMO - 7 de setembro de 2012

DO CENTRÃO DESCONSOLADO



No meu tempo de frequentador de aulas ("estudante" seria um exagero) era assim. A não ser quando a professora ou o professor designasse o lugar de cada um segundo alguma ordem, como a alfabética - e nesse caso eu era condenado pelo sobrenome a sentar no fundo da sala, junto com os Us, os Zs e os outros Vs - os alunos se distribuíam pelas carteiras de acordo com uma geografia social espontânea, nem sempre bem definida mas reincidente.

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Na frente sentava a Turma do Apagador, assim chamada porque era a eles que a professora recorria para ajudar a limpar o quadro-negro e os próprios apagadores. Nunca entendi bem por que se sujar com pó de giz era considerado um privilégio, mas a Turma do Apagador era uma elite, vista pelo resto da aula como favoritos do poder e invejada e destratada com a mesma intensidade. Quando passavam para os graus superiores os apagadores podiam perder sua função e deixar de ser os queridinhos da tia, mas mantinham seus lugares e sua pose, esperando o dia da reabilitação. Como todas as aristocracias tornadas irrelevantes.

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Não se deve confundir a Turma do Apagador com os Certinhos e os Bundas de Aço. Os Certinhos ocupavam as primeiras fileiras para não se misturarem com a Massa que sentava atrás, os Bundas de Aço para estarem mais perto do quadro-negro e não perderem nada. Todos os apagadores eram Certinhos mas nem todos os Certinhos era apagadores, e os Bundas de Aço não eram necessariamente certinhos. Muitos Bundas de Aço, por exemplo, eram excêntricos, introvertidos, ansiosos - enfim, esquisitos. Já os Certinhos autênticos se definiam pelo que não eram. Não eram nem puxa-sacos como os apagadores nem estranhos como os Bundas de Aço nem medíocres como a Massa e nem bagunceiros como as Criaturas do Abismo, que sentavam no fundo. Sua principal característica era os livros encapados com perfeição.

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Atrás dos apagadores, dos Certinhos e dos Bundas de Aço ficava a Massa, dividida em núcleos, como o Núcleo do Nem Aí, formado por três ou quatro meninas que ignoravam as aulas, davam mais atenção aos próprios cabelos e, já que tinham este interesse em comum, sentavam juntas; o Clube de Debates, algumas celebridades (a garota mais bonita da aula, o cara que desenhava quadrinho de sacanagem) e seus respectivos círculos de admiradores, e nós do Centrão Desconsolado, que só tínhamos em comum a vontade de estar em outro lugar.

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E no fundo sentavam as Criaturas do Abismo, cuja única comunicação com a frente da sala eram os ocasionais mísseis que disparavam lá de trás e incluíam desde o gordo que arrotava em vários tons até uma protodark, provavelmente a primeira da história, com tatuagem na coxa.

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Mas isso tudo, claro, foi na Idade Média.

Tchau. Vou parar de escrever - mas não festeje, é só por um mês. Férias. Volto no dia 11 de novembro. Até lá.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,do-centrao-desconsolado,941567,0.htm

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