Postagem antiga que ficou no fundo da gaveta virtual...
Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110306/not_imp688426,0.php
Data: 06 de março de 2011
Apesar da notícia ser publicada no Estado de São Paulo e Moacyr Scliar ser cronista da Folha de São Paulo, não posso evitar de render essa homenagem ao escritor gaúcho. Li muitas de suas crônicas, mas jamais um de seus livros, ainda que conheça referências a eles como "O exército de um homem só" que virou hit da banda Engenheiros do Havaí nos anos 80, porém, a relação do leitor com o cronista é muito mais poderosa do que a relação do leitor com o autor de livros, pois o cronista preenche um espaço emocional enorme no cotidiano.
Assim, não homenageio Scliar como especialista em sua obra, mas como grande admirador da literatura, e da maneira que imagino que Scliar, como todo apaixonado pelas letras, gostaria de ser homenageado: através da crônica, que ele redefiniu com maestria.
"Na minha breve vida, raras vezes havia deixado o pasto onde fui concebido. Aliás, raras vezes fiz algo diferente do que carregar mercadorias para meu proprietário até o mercado central de Benghazi.
Porém, hoje pela manhã, alguns homens vestidos com camisetas vermelhas e rostos pintados de branco levaram-me para o centro, mas desta vez sem carga nenhuma a não ser um lindo tecido verde com detalhes brancos estampando um número... Caminhado pelas ruas, uma grande multidão passou a nos seguir, formando uma grande massa vermelha rindo às custas das cores do tecido que me cobria. Por que riam de mim? Os detalhes em branco eram tão parecidos... Sou apenas um jumento, e não tenho capacidade para entender...
Chegando numa espécie de grande feira onde todos se aglomeravam em torno de um Grande Pasto, homens vestindo as mesmas camisetas vermelhas e verdes corriam atrás de uma bola antes que a feira começasse. Entre eles, dois dele se destacavam: o primeiro vestido de verde corria atrás da tal bola, afastando outros, tanto verdes como vermelhos, com pontapés e socos, enquanto um segundo, vestido de preto, o seguia muito próximo com olhares temerosos: à medida que aumentavam as agressões mais a multidão que aguardava a feira gritava contra o homem de preto, nunca contra o homem de verde, e o primeiro, suando, enruborizava assemelhando-se a um dos camisas vermelhas.
Ainda tentando entender o que acontecia , pouco a pouco, todas as atenções se voltaram para mim, e, gritando ainda mais, todos sorriam apontando para tecido verde que me cobria, quando repentinamente, um estrondo se fez ouvir entre a multidão, que, como animais, debandaram enquanto outros estrondos se faziam, gesto que como bom jumento repeti...

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Muammar_al-Gaddafi_at_the_AU_summit.jpg
Legenda:Muammar al-Gaddafi em fevereiro de 2009
Por fim, agora não carrego o leve tecido gentilmente amarrado sobre o meu lombo, mas aqueles torcedores que me levaram até o Grande Pasto, e não apenas eles, mas centenas de outros, muitos outros atrelados a uma carroça... Todos ainda mais vermelhos, e agora sem os detalhes em branco que deixavam as camisetas ainda mais belas, ainda mais parecidas com aquele lindo tecido verde... Todos agora muito mais silenciosos... Mas sou apenas um jumento, e não tenho capacidade para entender..."
Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110306/not_imp688426,0.php
Data: 06 de março de 2011
Apesar da notícia ser publicada no Estado de São Paulo e Moacyr Scliar ser cronista da Folha de São Paulo, não posso evitar de render essa homenagem ao escritor gaúcho. Li muitas de suas crônicas, mas jamais um de seus livros, ainda que conheça referências a eles como "O exército de um homem só" que virou hit da banda Engenheiros do Havaí nos anos 80, porém, a relação do leitor com o cronista é muito mais poderosa do que a relação do leitor com o autor de livros, pois o cronista preenche um espaço emocional enorme no cotidiano.
Assim, não homenageio Scliar como especialista em sua obra, mas como grande admirador da literatura, e da maneira que imagino que Scliar, como todo apaixonado pelas letras, gostaria de ser homenageado: através da crônica, que ele redefiniu com maestria.
"Na minha breve vida, raras vezes havia deixado o pasto onde fui concebido. Aliás, raras vezes fiz algo diferente do que carregar mercadorias para meu proprietário até o mercado central de Benghazi.
Porém, hoje pela manhã, alguns homens vestidos com camisetas vermelhas e rostos pintados de branco levaram-me para o centro, mas desta vez sem carga nenhuma a não ser um lindo tecido verde com detalhes brancos estampando um número... Caminhado pelas ruas, uma grande multidão passou a nos seguir, formando uma grande massa vermelha rindo às custas das cores do tecido que me cobria. Por que riam de mim? Os detalhes em branco eram tão parecidos... Sou apenas um jumento, e não tenho capacidade para entender...
Chegando numa espécie de grande feira onde todos se aglomeravam em torno de um Grande Pasto, homens vestindo as mesmas camisetas vermelhas e verdes corriam atrás de uma bola antes que a feira começasse. Entre eles, dois dele se destacavam: o primeiro vestido de verde corria atrás da tal bola, afastando outros, tanto verdes como vermelhos, com pontapés e socos, enquanto um segundo, vestido de preto, o seguia muito próximo com olhares temerosos: à medida que aumentavam as agressões mais a multidão que aguardava a feira gritava contra o homem de preto, nunca contra o homem de verde, e o primeiro, suando, enruborizava assemelhando-se a um dos camisas vermelhas.
Ainda tentando entender o que acontecia , pouco a pouco, todas as atenções se voltaram para mim, e, gritando ainda mais, todos sorriam apontando para tecido verde que me cobria, quando repentinamente, um estrondo se fez ouvir entre a multidão, que, como animais, debandaram enquanto outros estrondos se faziam, gesto que como bom jumento repeti...

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Muammar_al-Gaddafi_at_the_AU_summit.jpg
Legenda:Muammar al-Gaddafi em fevereiro de 2009
Por fim, agora não carrego o leve tecido gentilmente amarrado sobre o meu lombo, mas aqueles torcedores que me levaram até o Grande Pasto, e não apenas eles, mas centenas de outros, muitos outros atrelados a uma carroça... Todos ainda mais vermelhos, e agora sem os detalhes em branco que deixavam as camisetas ainda mais belas, ainda mais parecidas com aquele lindo tecido verde... Todos agora muito mais silenciosos... Mas sou apenas um jumento, e não tenho capacidade para entender..."

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