terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Mémoires du Cinemà - Lincoln (2012) (II)

Duas notas rápidas: 1 - certo dia a curiosidade me fez procurar o que significa o PS de cartas que pela força do hábito muitos ainda continuam usando. Vem do latin Post Scriptum, ou seja, algo que foi escrito depois da conclusão do texto, no caso a carta. Preciso começar com um PS. 2 - como escrevo mal quando escrevo com pressa!

PS: o Oscar aconteceu no último domingo e o grande premiado da noite foi o Argo de Ben Aflleck que não assisti. Mas quem se interessar por opiniões intressantes sobre cinema vale a pena o artigo de Luiz Zanin publicado no Estado de São Paulo de hoje. Clique aqui!

Vamos aos aspectos negativos de Lincoln, na realidade relativamente negativos: nós historiadores temos o péssimo hábito de legislar e judiciar sobre a história e, se observados com cautela, muitos filmes licenciados poeticamente são criticados negativamente como se fossem documentários.

A maior crítica fica por conta do papel passivo dos negros em sua própria libertação no filme: Spielberg ficou no meio do caminho entre o retrato de uma personagem histórico e de um povo vivendo um moento histórico, não agradando nem a historiadores, nem a ativistas dos direitos dos negros. Talvez a maior evidência dessa "história única" (como diz a escritora nigeriana Chimamanda Adichie no TED de 2009. Para ver clique aqui!) seja o final do filme, em que o deputado Thaddeus Stevens "dá de presente" para sua mulher, uma negra liberta que vive um amor secreto com Stevens, a cópia original da 13a emenda abolinda a escravidão, como se o movimento político da libertação dos escravos fosse efetivamente, sem metáforas, um presente, uma dádiva dos brancos para os negros. Não li nenhum comentário a respesito, mas talvez Spike Lee não tenha interpretado ou lido a coluna de Kate Mansur do New York Times (para ler clique aqui!).



Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Lydia_Hamilton_Smith.jpg.
Legenda: Lydia Hamilton Smith, suposta cônjuge do deputado Thaddeus Stevens, um dos mais fervorosos defensores dos direitos dos negros no século XIX.

Outro ponto interessante que Mansur toca em sua crítica é a relação que Spielberg cria entre Stevens e Lydia Smith, também reconstruída no filme fundador dos Estados Unidos industrial do início do século XX, o "Nascimento de uma Nação" (1915) de D. W. Griffith. No filme de Griffith, Stevens é Austin Stoneman, vale a pena assistir (daqui cinco ano o filme tornar-se-á de domínio público)!


 Também faltou sensibilidade histórica ao diretor estadunidense ao retratar o ponto de vista das colônias do sul acerca do fim da escravidão. Não que Spielberg deva fazer uma apologia à bestialidade humana, mas os diálogos em nenhum momento mostram o aspecto econômico defendido pelos beligerantes em relação à escravidão: o argumento sulista, atrasado do ponto de vista econômico e moral, não era exclusivamente a manutenção da escravidão maniqueísta como mostrada no filme, mas de uma economia sub-colonialista dentro dos próprios Estados Unidos que garantissem a exploração de culturas tropicais comercializada a altos preços para países da Europa por uma oligarquia agrária numa democracia censitária, algo similar ao Brasil Imperial. Por outro lado, os deputados republicanos (soa estranho pois Lincoln era do partido mais liberal da época, o Partido Republicano, enquanto Barack Obama, primeiro presidente negro dos EUA faz parte do partido que hoje é considerado liberal, o partido democrata; seria uma boa oportunidade para discutir a história dos partidos políticos norte-americanos) em nenhum momento apresaentam argumentos comerciais para defender o fim da escravidão, garantindo assim um mercado consumidor interno para os produtos industrializados do norte.

A única referência parca à economia do sul é feita no encontro de Lincoln com o vice-presidente dos confederados à bordo de um vapor na qual se argumenta que o fim da escravidão representaria o fim da cultura sulista. Manter uma cultura é interessante, mas desde que isso não implique num genocídio como se tornou em seguida a Klu Klux Klan e o preconceito racial nos EUA até hoje.

Fazendo uma comparação que ouvi certa vez: uma viagem à Amazônia mostram algo típico da cultura local como as palafitas, casas constru;ídas acima do nível do solo e das águas que frequentemente sobem durate a estação chuvosa na região. Turistas defendem a manutenção da cultura local, desde que suas família não morem nessas palafitas, um retrato da miséria e falta de aenção do Estado aos povos ribeirinhos amazônicos.

Fonte: http://posterwire.com/the-empire-strikes-back/
Legenda: pôster do filme E o Vento Levou... de 1939 de Victor Fleming. Curiosamente um filme sobre os brancos derrotados na Guerra de Secessão que mostra a desagrergação da cultura sulista com pitadas de preconceito racial no mesmo ano que Adolf Hitler iniciou a Segunda Guerra Mundial  na qual não arianos, como os escravos negros, foram exterminados.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Inle-Yawnghwe.jpg
Legenda: palafitas na aldeia de Yawnghwe no Lago Inle (provincia de Heho, Birmânia)

Concluindo, como gosto de comentar em aula, a democracia em qualquer país é um sistema de governo com falhas. Muitas vezes, diante de tantos desmandos na política nacional, acreditamos que o Brasil está na primeira colocação da pilantragem político mundial (em parte concordo com isso, se não estamos em primeiro, com o perdão da metáfora futebolística, estamos com certeza no G-4 do Brasileirão e nas semifinais da Libertadores da América), mas verdadedeiramente as fendas da democracia ocidental estão abertas por todos os países.

Alianças espúrias como aquelas representadas no filme fazem parte do sistema democrático, e talvez por isso Spielberg tenha sido ignorado pela Academia no último Oscar. Talvez possa me enganar, mas é bastante possível que quando o modelo de república democrática se esvaziar, como já percebemos em algumas situações, o filme de Spielberg seja verdadeiramente reconhecido, mas nesse momento os estadounidenses preferem ignorar Lincoln.



(Renan) Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Senador_Renan_Calheiros_Abril_2012.JPG
(Lincoln) Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Abraham_Lincoln_November_1863.jpg
Legenda: sistemas similares, políticas diferentes... Ou não? Será que simplesmete os norte-americanos sabem contar uma boa história como escrevi no início da primeira postagem sobre o filme?

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