quarta-feira, 30 de outubro de 2013

"Play it again Sam..."

¡Tchau Radar!
Humberto Gessinger e Esteban

Só um rascunho
A folha está cheia deles
Riscos e palavras
Procurando um caminho

Só um caminho
A vida está cheia deles
Meu destino eu faço
Traço passo a passo

Sou um rascunho
Pelo jeito a mão tremia
Pelo jeito pretendia
Passar a limpo outro dia

Hoje estou só
Hoje estou tão cheio deles
Sou um rascunho
Procurando um caminho

Fica pra outra dia
Ser uma obra-prima
Que não fede nem cheira
Não fode e nem sai de cima

Fica pra outra hora
Ser alguém importante
Se o que importa não importa
Não dá nada ser irrelevante

Só um rascunho
Um risco na mesa do bar
Carnaval sem samba
Outra praia, mesmo mar

Só um rascunho
Um torpedo de celular
Sem sinal na área
Sem chance de chegar

Não fica pronto nunca
Não há final feliz
Não há razão pra desespero
Ouça o que o silêncio diz

Não tem roteiro certo
Não espere um "gran finale"
Tão pouco espere amiga
Que a minha voz se cale

Fica pra outra dia
Ser uma obra-prima
Que não fede nem cheira
Não fode e nem sai de cima

Fica pra outra hora
Ser um cara importante
Se quem importa, não se importa
Tchau radar, vamos adiante

Fica pra outra dia
Ser uma obra-prima
Que não fede nem cheira
Não fode e nem sai de cima

Fica pra outra hora
Ser um cara importante
Se o que importa, não me importa
Tchau radar, vamos adiante


Imagem da semana


Autoria Allan Sieber
Fonte: http://talktohimselfshow.zip.net/

terça-feira, 29 de outubro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

Nova Canção do Exílio

Um sabiá na
palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.

O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.

Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.

Onde tudo é belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,

na palmeira, longe.)
Ainda um grito de vida e
voltar
para onde tudo é belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.

Carlos Drummond de Andrade

Imagem da semana


Autoria Adão
Fonte: http://adao.blog.uol.com.br/

sábado, 26 de outubro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

Campo, Chinês e Sono

A João Cabral de Melo Neto

O chinês deitado
no campo. O campo é azul,
roxo também. O campo,
o mundo e todas as coisas
têm ar de um chinês
deitado e que dorme.
Como saber se está sonhando?
O sono é perfeito. Formigas
crescem, estrelas latejam,
Peixes são fluidos.
E árvores dizem qualquer coisa
que não entendes. Há um chinês
dormindo no campo. Há um campo
cheio de sono e antigas confidências.
Debruça-te no ouvido, ouve o murmúrio
do sono em marcha. Ouve a terra, as nuvens.
O campo está dormindo e forma um chinês
de suave rosto inclinado
no vão do tempo.

Carlos Drummond de Andrade

Imagem da semana


Autoria Adão
Fonte: http://adao.blog.uol.com.br/

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

O Medo

A Antonio Candido

Porque há para nós um problema sério [...] Este problema é o do medo.

ANTONIO CANDIDO, Plataforma da nova geração

Em verdade temos medo.
Nascemos no escuro.
As existências são poucas;
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.

E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
Vadeamos.

Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.

Refugiamo-nos no amor,
Este célebre sentimento,
E o amor faltou: chovia,
Ventava, fazia frio em S. Paulo.

Fazia frio em S. Paulo...
Nevava.
O medo, com sua capa,
Nos dissimula e nos berça.

Fiquei com medo de ti,
Meu companheiro moreno.
De nos, de vós, e de tudo.
Estou com medo da honra.

Assim nos criam burgueses.
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?

Vem, harmonia do medo,
Vem ó terror das estradas,
Susto na noite, receio
De águas poluídas. Muletas

Do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa se parte,
Se transe e cala-se.

Faremos casas de medo,
Duros tijolos de medo,
Medrosos caules, repuxos,
Ruas só de medo, e calma.

E com asas de prudência
Com resplendores covardes,
Atingiremos o cimo
De nossa cauta subida.

O medo com sua física,
Tanto produz: carcereiros,
Edifícios, escritores,
Este poema,; outras vidas.

Tenhamos o maior pavor.
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.

Adeus: vamos para a frente,
Recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,

Eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
Dançando o baile do medo.

Carlos Drummond de Andrade

Imagem da semana


Autor André Dahmer
Fonte: http://www.malvados.com.br/

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

Carrego comigo

Carrego comigo
há dezenas de anos
há centenas de anos
o pequeno embrulho.

Serão duas cartas?
será uma flor?
será um retrato?
um lenço talvez?

Já não me recordo
onde o encontrei.
Se foi um presente
ou se foi furtado.

Se os anjos desceram
trazendo-o nas mãos,
se boiava no rio,
se pairava no ar.

Não ouso entreabri-lo.
Que coisa contém,
ou se algo contém,
nunca saberei.

Como poderia
tentar esse gesto?
O embrulho é tão frio
e também tão quente.

Ele arde nas mãos,
é doce ao meu tato,
Pronto me fascina
e me deixa triste.

Guardar em segredo
em si e consigo,
não querer sabê-lo
ou querer demais.

Guardar um segredo
de seus próprios olhos,
por baixo do sono,
atrás da lembrança.

A boca experiente
saúda os amigos.
Mão aperta mão,
peito se dilata.

Vem do mar o apelo,
vêm das coisas gritos.
O mundo chama!
Carlos! Não respondes?

Quero responder.
A rua infinita
vai além do mar.
Quero caminhar.

Mas o embrulho pesa.
Vem a tentação
de jogá-lo ao fundo
da primeira vala.

Ou talvez queimá-lo:
cinzas se dispersam
e não fica sombra
sequer, nem remorso.

Ai, fardo sutil
que antes me carregas
do que és carregado,
para onde me levas?

Por que não dizes
a palavra dura
oculta em teu seio,
carga intolerável?

Seguir-te submisso
por tanto caminho
sem saber de ti
senão que sigo.

Se agora te abrisses
e te revelasses
mesmo em formas de erro,
que alívio seria!

Mas ficas fechado.
Carrego-te à noite
se vou para o baile,
De manhã te levo

Para a escura fábrica
De negro subúrbio.
És, de fato, amigo
Secreto e evidente.

perder-te seria
perder-me a mim próprio.
Sou um homem livre
mas levo uma coisa.

Não sei o que seja.
Eu não a escolhi.
Jamais a fitei.
Mas levo uma coisa.

Não estou vazio
não estou sozinho,
pois anda comigo
algo indescritível.

Carlos Drummond de Andrade

Imagem da semana

Autoria: Benett
Fonte: http://blogdobenett.blog.uol.com.br/

terça-feira, 22 de outubro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

Tentei resistir a postar Drummond, A Rosa do Povo... Muito bom, mas muito triste... Um pouco de Monty Python pra quebrar essa seriedade!

A flor e a náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me'?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas,
alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas,
consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio,
paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horasda tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Carlos Drummond de Andrade


Imagem da semana

Autoria Daniel Lafayette
Fonte: http://ultralafa.wordpress.com/

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Citações

Violence is the last refuge of the incompetent.
A violência é o último refúgio dos incompetentes.

Isaac Asimov

Imagem da semana

Autoria Carlos Rúas
Fonte: http://www.umsabadoqualquer.com/

domingo, 20 de outubro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

A Minha Arte é Ser Eu

Se faço estas análises de um modo lasso e casual, não é senão porque assim retrato mais o que sou. De uma análise propriamente profunda não só sou incapaz, mas sou também artista de mais para a pensar em fazer; pensar em faze-la seria pensar em dar de mim a idea de que sou uma criatura disciplinada e coerente, quando o que sou é um analisador disperso e subtilmente desconcentrado. A minha arte é ser eu. Eu sou muitos. Mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão.
Muitos crêem coisas falsas ou incompletas de mim; e eu, falando com eles, faço tudo por deixa-los continuar nessa crença. Perante um que me julgue um mero crítico, eu só falo crítica. A princípio fazia isto espontaneamente. Depois decidi que isto era porque, no meu perpétuo anseio de não levantar atritos, (…)

Fernando Pessoa

Imagem da semana

sábado, 19 de outubro de 2013

Citações

"José Fernando Martins, o que é a vida?"
"A vida é tecer o tempo com a máxima paciência e a maior dignidade possível"
"José Fernando Martins, o que é a vida?"
"É o tempo tecido pelo homem com a maior dignidade que o homem é capaz, e com a grande paciência de que o ser humano as vezes é dotado"

Provocações

Imagem da semana

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Citações

Never let your sense of morals prevent you from doing what is right.
Nunca deixe que o seu senso de moral te impeça de fazer o que é certo.

Isaac Asimov

Imagem da semana



Autoria Keng Lye
Fonte: http://kenglye.deviantart.com/gallery/

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Mémoires du Cinemà - Adeus, meninos (Au revoir les enfants) - 1987

Ficha técnica: http://www.imdb.com/title/tt0092593/

Fonte: http://www.bradleyfarless.com/au-revoir-les-enfantes-holocaust-in-film/

Sempre que me lembro de olhar os acessos ao blog, e eles estão em dois ou três no dia, me recordo que que as postagens mais acessadas são sobre cinema. Não sei bem se por causa do interesse que as pessoas tem sobre essa forma de arte tão acessível (sobretudo após o desenvolvimento de tantas ferramentas de compartilhamento de arquivos) e massificada (no sentido mais preconceituoso que Theodor Adorno estabeleceu) ou se realmente gosto de escrever sobre cinema, e isso simplesmente faz com que a escrita se torne mais visceral e interessante.

Acredito que uma das minhas grandes dificuldades como professor é deixar de ser professor, pois após algumas frustrações ao longo da vida, apenas me reencontrei através das artes, sobretudo artes gráficas como quadrinhos e cinema, mas também como professor.

Um dos filmes sobre educação, duas paixões, que recentemente assisti é o francês Adeus, meninos de 1987. A história em si é bastante, original ainda que a Nouvelle Vague e o Neorealismo italiano tenham tratado da temática da criança no pós-guerra como nos clássicos Ladrões de Bicicleta de Vittorio De Sica, Alemanha Ano Zero de Roberto Rossellini, aliás, muito se escreve sobre as vanguardas artísticas do início do século XX, mas nunca li algo sobre uma concepção de vanguarda pós-Segunda Guerra Mundial: sem conhecimento artístico profundo, posso enumerar algumas características interessantes para se explorar como a relação ambígua em relação à tecnologia e a releitura da arte renascentista como maneira de dar sentido a um mundo em constante estado de tensão durante a Guerra Fria.

Fonte: https://picasaweb.google.com/lh/photo/bivrSKUIdDuUmpNOO4_95g
Legenda: Hoje fui à exposição do MASP sobre Lucien Freud (sobre a qual pretendo escrever amanhã) , mas pra pensar essa suposta vanguarda pós-1945... After Cézanne (Após Cézanne), 1999 - 2000. Óleo sobre tela por Lucien Freud.

Voltando ao filme: na Paris ocupada pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial, o protagonista, o estudante Julien Quentin (interpretado por Gaspard Manesse) conhece Jean Bonnet (interpretado por Raphael Fejtö) num internato jesuíta, porém, Bonnet não consegue esconder do amigo que na verdade é Jean Kippelstein, cuja família de ascendência judaica convenceu o diretor a instituição a abrigar o filho, evitando que fosse capturado pela Gestapo.

Contudo, mais do que um filme histórico, Adeus, meninos, é um filme sobre a adolescência no qual o diretor Louis Malle, bastante influenciado pelas sutilezas da Nouvelle Vague, retrata esse idade nos pequenos detalhes como a paixão de Kippelstein ela literatura (a aproximação dos garotos com o sexo se dá através do clássico As mil e uma Noites) ou a liturgia durante as missas (o garoto judeu deseja tomar a hóstia por sentir-se diferente dos outros garotos, porém o padre-diretor se recusa a conceder o corpo de Cristo, não se se sabe se por que o sabe não cristão ou por que o responsabiliza como judeu pela morte de Jesus).

A relação entre os garotos é representada com todas as contradições da adolescência, Quentin por exemplo, é retratado como frágil e delicado diante dos pais, mas dentro do internato é intransigente e confiante, percebendo em Kippelstein essa mesma ambiguidade, Quentin se aproxima agressivamente como se experimentasse o amigo, até que ambos se identifiquem. É o que um de meus professores da faculdade chamava de "torrente da história" que leva o protagonista a ganhar a consciência do mundo adulto: numa revista da Gestapo à sala de aula, Quentin espreita Kippelstein com o canto dos olhos, preocupado com o amigo, denunciando-o, o que leva à prisão de outros estudantes e o padre-diretor da instituição jesuíta, acusado de proteger judeus dentro de sua escola,

Na cena final do filme, os estudantes judeus e o padre-diretor presos passam em frente aos outros estudantes e num breve discurso resgata uma ideia bastante presente no filme: Educar é ensinar a liberdade. Penso que o filme fala de uma liberdade muito mais ampla do que aquela a que se referem propagandas de cerveja ou de automóveis, fala-se de uma liberdade de adentrar o mundo adulto, liberdade essa que, talvez possa ser comparada com a liberdade conquistada após o grande desenvolvimento tecnológico e industrial da humanidade após a Segunda Grande Guerra.

Talvez seja interessante como reflexão o conto inédito da escritora canadense Alice Munro, vencedora do último prêmio Nobel de literatura,  publicado pela Folha de São Paulo no último domingo no qual escreve como essa expansão de possibilidades se apresenta à criança para que se torne adulto (clique aqui).

Citações

         - que tudo se foda,
disse ela,
         e se fodeu toda

Paulo Leminski

Imagem da semana


Autoria Caco Galhardo
Fonte: http://cacogalhardo.uol.com.br/

domingo, 13 de outubro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

         entendo
 mas não entendo
         o que estou entendendo

Paulo Leminski

Imagem da semana


Autoria Fábio Moon e Gabriel Bá
Fonte: http://10paezinhos.blog.uol.com.br/

sábado, 12 de outubro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

         que será
que tem lá embaixo
         que a pedra tomba
tão fácil?

Paulo Leminski

Imagem da semana

Autoria Fábio Moon e Gabriel Bá
Fonte: http://10paezinhos.blog.uol.com.br/

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

haja
hoje
p/
tanto
hontem

Paulo Leminski

Imagem da semana

Autoria Angeli

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Midiofobia - Homem de bem

Data: 8 de outubro de 2013
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2013/10/1352958-homens-de-bem.shtml

Realmente não escondo a minha preferência pelo Estado de São Paulo em detrimento da Folha de São Paulo, sobretudo no conteúdo de domingo, mas devo reconhecer que os colunistas e quadrinistas da Folha me interessam mais, vale muito a pena ler Gregório Duvivier (clique aqui), que além de humorista está se revelando uma ótimo cronista (existe algo muito próximo entre o cotidiano/crônica e a comédia), Antônio Prata (clique aqui) subretudo nessa fase de aventuras com filhos, o mesmo vale para os quadrinhos de Allan Sieber (clique aqui) também em fase paternal, claro um pouco mais sombria, também tenho lido com frequencia os polêmicos Luis Felipe Pondé (clique aqui) que recentemente escrevi nesse blog, e Contardo Calligaris (clique aqui) cujas dicas cinematográficas são indispensáveis.

Mas particularmente a crônica de João Pereira Coutinho, inspirada num artigo de Gustavo Ioschpe (um pouco elitista, mas ainda sensacional, vale muito a pena ler aqui), sobre o qual também já escrevi nesse blog, me chamou muito a atenção durante a minha rara leitura matinal do jornal. A questão de Ioschope é fundamental: de que vale uma vida ética se isso pode representar, digamos, uma "desvantagem competitiva"?

No Brasil, temos abundantes situações que demonstram que uma postura ética não traz vantagens, basta abrir qualquer revista ou assistir qualquer telejornal, porém, dentro da família (caso de Ioschpe) e da sala de aula, é preciso ensinar a ética aos estudantes. Em algumas famílias, como relata o autor do artigo, a ética é um valor institucional de pais e mães que se transmite por gerações, porém, em sala de aula, essa ética se torna um valor institucional imposto por mantenedores, diretores, coordenadores, professores, assistentes, monitores, assistentes, auxiliares, faxineiras, porteiro, etc, etc, etc.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_de_Atenas
Legenda: Escola de Atenas de Rafel Sanzio. Sempre os gregos...

Especificamente no meu caso, essa diversidade de significações para ética, são ainda aprofundadas diante da necessidade do adolescente de romper com a instituição familiar em busca de sua identidade própria e não encontrar essa identidade através da instituição escolar. Assediado pelos amigos e pela mídia cotidianamente através da tecnologia digital, o adolescente se identifica com a ética de outras instituições como Justin Bieber e Miley Cyrus, e o papel da ética na formação da identidade do homem, num momento extremamente importante de sua vida, se evapora...

Coutinho define bem quando afirma que: "devemos educar os nossos filhos para a virtude? Afirmativo. Ninguém deseja para os filhos a punição exemplar das leis", mas nos coloca outro problema ainda mais importante: ética não é condição de felicidade, então como, ou ainda, o que é, educar eticamente?

Algumas vezes sinto-me conservador quando conduzo minhas relação com meus alunos, afinal, o professor é cotidianamente testado em sua ética, ou ao menos, no que ele entende por ética, quando não aceita uma lição de casa atrasada, quando se posiciona criticamente sobre uma atitude negativa da classe, quando não permite que um estudante entre atrasado em sala de aula, etc. Mas não se trata apenas de conservadorismo, trata-se de manter um equilíbrio entre a concepção de ética da instituição escolar e a concepção de ética da instituição familiar de cada uma dos estudantes, sem com isso deixar sua própria concepção de ética e ainda manter a coerência que garante a harmonia sobre a sala de aula. Explico.

Autoria própria


Ainda que contra a minha vontade, temos um cachorro galgo no apartamento prestes a completar um ano de idade. Há alguns meses, iniciamos um adestramento para tentar ganhar maior autonomia em relação ao animal, porém, o adestrador tem insistido em alguns exercícios simples que, entre apenas quatro pessoas não conseguimos cumprir, como por exemplo, não agradar o cachorro quando ele pula sobre nós, pois se trata de reforçar positivamente uma atitude inconveniente.

Mais do que ética, me parece que se trata de ser coerente, o que falta a muitos donos de cachorro e professores. Considerando adolescentes que serão adultos, não ensinar a ética apenas como um instrumento de controle, mas um valor para exercer sua própria liberdade, diferente do que presenciei essa semana quando um grupo de estudantes colocou música alta numa sala de aula e a escola decidiu simplesmente mudar impedir o aceso dos estudantes ao computador alterando a senha de acesso...

"Batatinha quando nasce..."

matar, a forma  mais alta de amar,
matar em nós a vontade de matar
voltar a matar a vontade,
matar, sempre, matar
mesmo que, para isso,
seja preciso todo nosso amar

Paulo Leminski

Imagem da semana

Autoria Daniel Lafayette
Fonte: http://ultralafa.wordpress.com/

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

         Faça os gestos certos,
o destino vai ser teu aliado,
         ouço uma vez dizendo
do fundo mais fundo do passado.
         Hoje, não faço nada direito,
que é preciso muito mais peito
         pra fazer tudo de qualquer jeito.

         Ai do acaso,
se não ficar do meu lado.

Paulo Leminski    

Imagem da semana

Autoria Chiquinha
Fonte: http://chiqsland.uol.com.br/home/

domingo, 6 de outubro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

o que passou passou?

         Antigamente, se morri.
1907, digamos, aquilo sim
         é que era morrer.
Morria gente todo dia,
         e morria com muito prazer,
já que todo mundo sabia
         que o Juízo, afinal, viria,
e todo mundo ia renascer.
         Morria-se praticamente de tudo.
De doença, de parto, de tosse.
         E ainda se morria de amor,
como se amar morte fosse.
         Pra morrer, bastava um susto,
um lenço no vento, um suspiro pronto,
         lá se ia nosso defunto
para a terrados pés juntos.
         Dia de anos, casamento, batizado,
morrer era um tipo de festa
         uma das coisas da vida,
como ser ou não ser convidado.
         O escândalo era de praxe.
Mas os danos eram pequenos.
         Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre alguém tinha uma frase
         que deixava aquilo mais ou menos.
Tinha coisas que matavam na certa.
         Pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal curado.
         Tinha coisas que tem que morrer,
tinha coisas que tem que matar.
         A honra, a terra e o sangue
mandou muita gente praquele lugar.

Paulo Leminski  

Imagem da semana

Autoria Benett
Fonte: http://blogdobenett.blog.uol.com.br/

sábado, 5 de outubro de 2013

"Batatinha quando nasce..."

          um homem com uma dor
é muito mais elegante
         caminha assim de lado
como se chegando atrasado
         andasse mais adiante

         carrega o peso da dor
como se portasse medalha
         uma coroa um milhão de dólares
uma coisa que o valha

         ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
         ela é tudo que me sobra
sofrer vai ser minha última obra

Paulo Leminski    

Imagem da semana

Autoria Daniel Lafayette
Fonte: http://ultralafa.wordpress.com/

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Midiofobia - Escorpiões do deserto

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2013/09/1345934-escorpioes-do-deserto.shtml
Data: 23 de setembro de 2013

Semana passada assistindo à TV Cultura me peguei com um comercial do novo programa de Luis Felipe Pondé (ver a notícia aqui! e o comercial aqui!) chamado Peripatético a partir do dia 4 de outubro as 23:59, aliás, a propósito de estréias, o crono radialista Salomão Schvartzman reestreiou hoje, pela mesma Fundação Padre Anchieta da TV Cultura que o demitiu há seis anos atrás, o consagrado "Diário da Manhã" a partir das 8 hrs (consegui escutar hoje pois não trabalho na escola às terças... senti Salomão um pouco magoado com sua demissão há tanto tempo atrás... Salomão, não fique assim! Seja feliz!).

Como já imaginava, o comercial me incomodou, como Pondé ponderaria, incomodou a muitos.

Contudo, no mesmo dia li sua coluna na Folha de São Paulo Escorpiões do deserto a que me refiro nessa postagem e mais uma vez, como sempre acontece entre Pondé e eu, reatamos essa relação unilateral e ambígua de desprezo e admiração que tenho por ele. Já tentei, conversando com o professor de filosofia da  escola me aproximar de pessoas inteligentes que também criticassem Pondé, para que assim, minha percepção intelectual do colunista da Folha de São Paulo não ficasse tão míope, mas para minha surpresa sua resposta foi a mais razoável possível: qual a função do filósofo senão incomodar?


Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Metropolitan_David_Socrates.jpg
Legenda: A morte de Sócrates, de Jacques Louis David

A coluna de Pondé sobre o movimento batizado pela imprensa de Primavera Árabe é esclarecedora, pois desconstrói muitos dos mitos construídos em torno das revoltas no Oriente Médio, alguns mitos inclusive perpetuados por este que vos escreve, como por exemplo o desejo por uma democracia como afirma Pondé em "a democracia ali é tão estranha quanto para nós seria uma teocracia." Escrevi sobre isso nesse blog, e talvez, esse seja o diferencial entre o que procuro escrever e o que Pondé chama de "minha classe intelectual": a necessidade de criar explicações imediatas, afinal, até o próprio filósofo escreve sobre isso depois de mais de dois anos após as primeiras revoltas.

São explicações imediatas, exigências da nossa sociedade moderna, que criam esses mitos cristalizados de que o Oriente Médio pretende revolucionar democraticamente a região, desconsiderando toda a história e cultura da região. Talvez pelos poucos leitores, talvez pela gratuidade, meus interesses são menos escrever explicações imediatas e mais questionar essas explicações: quando citei o processo em sala de aula para estudantes de 8o ano, estabeleci uma comparação com o processo revolucionário francês, tema do primeiro bimestre, porém ao longo do ano, desconstrui o modelo marxista de análise desse processo: a história é uma luta de classes na qual um opressor e um oprimido se enfrentam, sendo a classe oprimida alçada à posição de classe opressora ao conquistar os meios de produção e opressão (o surgimento de uma sociedade comunista segundo Marx foram historicizados), o questionamento não foi exatamente sobre o processo revolucionário, mas sobre o poder e a relação do homem com o poder, assim, muitos alunos questionaram ao final do bimestre, se o movimento da Primavera Árabe era um movimento mudança da classe dirigentes dos países envolvidos.


Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Troisordres.jpg
Legenda: caricatura francesa clássica com o povo carregando a nobreza e o clero nas costas em 1789


Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Cruikshank_-_The_Radical%27s_Arms.png
Legenda:  caricatura de George Cruikshank entitulada The Radical's Arms, os que eram montaria tornando-se montadores...

Não tenho conhecimento seja teórico seja empírico para afirmar que a Síria "estava muito melhor (veja que não digo perfeita) antes dessa pseudoprimavera pela democracia.", por isso prefiro pensar que Pondé comente o erro que tantos outros analistas sobre a questão da Primavera Árabe: o de não garantir ao leitor o benefício da dúvida, ou como diz a canção dos Engenheiros do Havaí: "Quem ocupa o trono tem culpa/Quem oculta o crime também/Quem duvida da vida tem culpa/Quem evita a dúvida também tem"



Somos Quem Podemos Ser
Engenheiros do Hawaii

Um dia me disseram
Que as nuvens não eram de algodão
Um dia me disseram
Que os ventos às vezes erram a direção

E tudo ficou tão claro
Um intervalo na escuridão
Uma estrela de brilho raro
Um disparo para um coração

A vida imita o vídeo
Garotos inventam um novo inglês
Vivendo num país sedento
Um momento de embriaguez

Nós
Somos quem podemos ser
Sonhos que podemos ter

Um dia me disseram
Quem eram os donos da situação
Sem querer eles me deram
As chaves que abrem essa prisão

E tudo ficou tão claro
O que era raro ficou comum
Como um dia depois do outro
Como um dia, um dia comum

A vida imita o vídeo
Garotos inventam um novo inglês
Vivendo num país sedento
Um momento de embriaguez

Nós
Somos quem podemos ser
Sonhos que podemos ter

Um dia me disseram
Que as nuvens não eram de algodão
Um dia me disseram
Que os ventos às vezes erram a direção

Quem ocupa o trono tem culpa
Quem oculta o crime também
Quem duvida da vida tem culpa
Quem evita a dúvida também tem

Somos quem podemos ser
Sonhos que podemos ter

Pondé observa com muita clareza os dois fetiches dessas revoluções de início de século XXI: o fetiche da democracia e o fetiche das redes sociais, porém, como deveria ser papel dos intelectuais e poucos fazem isso como o esloveno Slavoj Žižek, apontar as limitações e alternativas à democracia...

Ainda assim, continuarei a ler a coluna de Pondé e assistirei ao Paripatético... Pois o incomodo ainda é um dos melhores estímulos da vida juntamente com a dúvida...

Citações

ao pé da pena

todo sujo de tinta
o escriba volta pra casa
cabeça cheia de frases alheias
frases feitas
letras feias
linhas lindas
a pele queimada
as palavras esquecidas
formas formiga
tpodas as palavras da tribo

por elas
trocou a vida
dia luzes madrugadas
hoje
quando volta pra casa
páina em branco e em brasa
asa lá se vai
dá de cara com nada
com tudo dentro
                                   sai

Paulo Leminski 

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Autor: Magnus Gjoen
Fonte: http://www.saatchionline.com/profiles/portfolio/id/291153