terça-feira, 15 de outubro de 2013

Mémoires du Cinemà - Adeus, meninos (Au revoir les enfants) - 1987

Ficha técnica: http://www.imdb.com/title/tt0092593/

Fonte: http://www.bradleyfarless.com/au-revoir-les-enfantes-holocaust-in-film/

Sempre que me lembro de olhar os acessos ao blog, e eles estão em dois ou três no dia, me recordo que que as postagens mais acessadas são sobre cinema. Não sei bem se por causa do interesse que as pessoas tem sobre essa forma de arte tão acessível (sobretudo após o desenvolvimento de tantas ferramentas de compartilhamento de arquivos) e massificada (no sentido mais preconceituoso que Theodor Adorno estabeleceu) ou se realmente gosto de escrever sobre cinema, e isso simplesmente faz com que a escrita se torne mais visceral e interessante.

Acredito que uma das minhas grandes dificuldades como professor é deixar de ser professor, pois após algumas frustrações ao longo da vida, apenas me reencontrei através das artes, sobretudo artes gráficas como quadrinhos e cinema, mas também como professor.

Um dos filmes sobre educação, duas paixões, que recentemente assisti é o francês Adeus, meninos de 1987. A história em si é bastante, original ainda que a Nouvelle Vague e o Neorealismo italiano tenham tratado da temática da criança no pós-guerra como nos clássicos Ladrões de Bicicleta de Vittorio De Sica, Alemanha Ano Zero de Roberto Rossellini, aliás, muito se escreve sobre as vanguardas artísticas do início do século XX, mas nunca li algo sobre uma concepção de vanguarda pós-Segunda Guerra Mundial: sem conhecimento artístico profundo, posso enumerar algumas características interessantes para se explorar como a relação ambígua em relação à tecnologia e a releitura da arte renascentista como maneira de dar sentido a um mundo em constante estado de tensão durante a Guerra Fria.

Fonte: https://picasaweb.google.com/lh/photo/bivrSKUIdDuUmpNOO4_95g
Legenda: Hoje fui à exposição do MASP sobre Lucien Freud (sobre a qual pretendo escrever amanhã) , mas pra pensar essa suposta vanguarda pós-1945... After Cézanne (Após Cézanne), 1999 - 2000. Óleo sobre tela por Lucien Freud.

Voltando ao filme: na Paris ocupada pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial, o protagonista, o estudante Julien Quentin (interpretado por Gaspard Manesse) conhece Jean Bonnet (interpretado por Raphael Fejtö) num internato jesuíta, porém, Bonnet não consegue esconder do amigo que na verdade é Jean Kippelstein, cuja família de ascendência judaica convenceu o diretor a instituição a abrigar o filho, evitando que fosse capturado pela Gestapo.

Contudo, mais do que um filme histórico, Adeus, meninos, é um filme sobre a adolescência no qual o diretor Louis Malle, bastante influenciado pelas sutilezas da Nouvelle Vague, retrata esse idade nos pequenos detalhes como a paixão de Kippelstein ela literatura (a aproximação dos garotos com o sexo se dá através do clássico As mil e uma Noites) ou a liturgia durante as missas (o garoto judeu deseja tomar a hóstia por sentir-se diferente dos outros garotos, porém o padre-diretor se recusa a conceder o corpo de Cristo, não se se sabe se por que o sabe não cristão ou por que o responsabiliza como judeu pela morte de Jesus).

A relação entre os garotos é representada com todas as contradições da adolescência, Quentin por exemplo, é retratado como frágil e delicado diante dos pais, mas dentro do internato é intransigente e confiante, percebendo em Kippelstein essa mesma ambiguidade, Quentin se aproxima agressivamente como se experimentasse o amigo, até que ambos se identifiquem. É o que um de meus professores da faculdade chamava de "torrente da história" que leva o protagonista a ganhar a consciência do mundo adulto: numa revista da Gestapo à sala de aula, Quentin espreita Kippelstein com o canto dos olhos, preocupado com o amigo, denunciando-o, o que leva à prisão de outros estudantes e o padre-diretor da instituição jesuíta, acusado de proteger judeus dentro de sua escola,

Na cena final do filme, os estudantes judeus e o padre-diretor presos passam em frente aos outros estudantes e num breve discurso resgata uma ideia bastante presente no filme: Educar é ensinar a liberdade. Penso que o filme fala de uma liberdade muito mais ampla do que aquela a que se referem propagandas de cerveja ou de automóveis, fala-se de uma liberdade de adentrar o mundo adulto, liberdade essa que, talvez possa ser comparada com a liberdade conquistada após o grande desenvolvimento tecnológico e industrial da humanidade após a Segunda Grande Guerra.

Talvez seja interessante como reflexão o conto inédito da escritora canadense Alice Munro, vencedora do último prêmio Nobel de literatura,  publicado pela Folha de São Paulo no último domingo no qual escreve como essa expansão de possibilidades se apresenta à criança para que se torne adulto (clique aqui).

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