terça-feira, 1 de outubro de 2013

Midiofobia - Escorpiões do deserto

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2013/09/1345934-escorpioes-do-deserto.shtml
Data: 23 de setembro de 2013

Semana passada assistindo à TV Cultura me peguei com um comercial do novo programa de Luis Felipe Pondé (ver a notícia aqui! e o comercial aqui!) chamado Peripatético a partir do dia 4 de outubro as 23:59, aliás, a propósito de estréias, o crono radialista Salomão Schvartzman reestreiou hoje, pela mesma Fundação Padre Anchieta da TV Cultura que o demitiu há seis anos atrás, o consagrado "Diário da Manhã" a partir das 8 hrs (consegui escutar hoje pois não trabalho na escola às terças... senti Salomão um pouco magoado com sua demissão há tanto tempo atrás... Salomão, não fique assim! Seja feliz!).

Como já imaginava, o comercial me incomodou, como Pondé ponderaria, incomodou a muitos.

Contudo, no mesmo dia li sua coluna na Folha de São Paulo Escorpiões do deserto a que me refiro nessa postagem e mais uma vez, como sempre acontece entre Pondé e eu, reatamos essa relação unilateral e ambígua de desprezo e admiração que tenho por ele. Já tentei, conversando com o professor de filosofia da  escola me aproximar de pessoas inteligentes que também criticassem Pondé, para que assim, minha percepção intelectual do colunista da Folha de São Paulo não ficasse tão míope, mas para minha surpresa sua resposta foi a mais razoável possível: qual a função do filósofo senão incomodar?


Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Metropolitan_David_Socrates.jpg
Legenda: A morte de Sócrates, de Jacques Louis David

A coluna de Pondé sobre o movimento batizado pela imprensa de Primavera Árabe é esclarecedora, pois desconstrói muitos dos mitos construídos em torno das revoltas no Oriente Médio, alguns mitos inclusive perpetuados por este que vos escreve, como por exemplo o desejo por uma democracia como afirma Pondé em "a democracia ali é tão estranha quanto para nós seria uma teocracia." Escrevi sobre isso nesse blog, e talvez, esse seja o diferencial entre o que procuro escrever e o que Pondé chama de "minha classe intelectual": a necessidade de criar explicações imediatas, afinal, até o próprio filósofo escreve sobre isso depois de mais de dois anos após as primeiras revoltas.

São explicações imediatas, exigências da nossa sociedade moderna, que criam esses mitos cristalizados de que o Oriente Médio pretende revolucionar democraticamente a região, desconsiderando toda a história e cultura da região. Talvez pelos poucos leitores, talvez pela gratuidade, meus interesses são menos escrever explicações imediatas e mais questionar essas explicações: quando citei o processo em sala de aula para estudantes de 8o ano, estabeleci uma comparação com o processo revolucionário francês, tema do primeiro bimestre, porém ao longo do ano, desconstrui o modelo marxista de análise desse processo: a história é uma luta de classes na qual um opressor e um oprimido se enfrentam, sendo a classe oprimida alçada à posição de classe opressora ao conquistar os meios de produção e opressão (o surgimento de uma sociedade comunista segundo Marx foram historicizados), o questionamento não foi exatamente sobre o processo revolucionário, mas sobre o poder e a relação do homem com o poder, assim, muitos alunos questionaram ao final do bimestre, se o movimento da Primavera Árabe era um movimento mudança da classe dirigentes dos países envolvidos.


Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Troisordres.jpg
Legenda: caricatura francesa clássica com o povo carregando a nobreza e o clero nas costas em 1789


Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Cruikshank_-_The_Radical%27s_Arms.png
Legenda:  caricatura de George Cruikshank entitulada The Radical's Arms, os que eram montaria tornando-se montadores...

Não tenho conhecimento seja teórico seja empírico para afirmar que a Síria "estava muito melhor (veja que não digo perfeita) antes dessa pseudoprimavera pela democracia.", por isso prefiro pensar que Pondé comente o erro que tantos outros analistas sobre a questão da Primavera Árabe: o de não garantir ao leitor o benefício da dúvida, ou como diz a canção dos Engenheiros do Havaí: "Quem ocupa o trono tem culpa/Quem oculta o crime também/Quem duvida da vida tem culpa/Quem evita a dúvida também tem"



Somos Quem Podemos Ser
Engenheiros do Hawaii

Um dia me disseram
Que as nuvens não eram de algodão
Um dia me disseram
Que os ventos às vezes erram a direção

E tudo ficou tão claro
Um intervalo na escuridão
Uma estrela de brilho raro
Um disparo para um coração

A vida imita o vídeo
Garotos inventam um novo inglês
Vivendo num país sedento
Um momento de embriaguez

Nós
Somos quem podemos ser
Sonhos que podemos ter

Um dia me disseram
Quem eram os donos da situação
Sem querer eles me deram
As chaves que abrem essa prisão

E tudo ficou tão claro
O que era raro ficou comum
Como um dia depois do outro
Como um dia, um dia comum

A vida imita o vídeo
Garotos inventam um novo inglês
Vivendo num país sedento
Um momento de embriaguez

Nós
Somos quem podemos ser
Sonhos que podemos ter

Um dia me disseram
Que as nuvens não eram de algodão
Um dia me disseram
Que os ventos às vezes erram a direção

Quem ocupa o trono tem culpa
Quem oculta o crime também
Quem duvida da vida tem culpa
Quem evita a dúvida também tem

Somos quem podemos ser
Sonhos que podemos ter

Pondé observa com muita clareza os dois fetiches dessas revoluções de início de século XXI: o fetiche da democracia e o fetiche das redes sociais, porém, como deveria ser papel dos intelectuais e poucos fazem isso como o esloveno Slavoj Žižek, apontar as limitações e alternativas à democracia...

Ainda assim, continuarei a ler a coluna de Pondé e assistirei ao Paripatético... Pois o incomodo ainda é um dos melhores estímulos da vida juntamente com a dúvida...

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