quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Carta aberta aos meus futuros ex-alunos - notas soltas de uma aula inaugural

Bom dia...

Ainda não nos conhecemos, mas meu nom é P e serei seu professor de história esse bimestre.

Teremos bastante tempo para nos conhecer durante nossas aulas, por isso peço que me concedam essa aula inaugural para falar um pouco sobre nosso curso, mas sobretudo sobre como pretendo conduzir esse curso, afinal, mais importante do que o conteúdo programatico, a maneira como nós, vocês e eu, nos relacionaremos é determinante para melhor aproveitamento das aulas de história.

Em pesquisa realizada recentemente (2007-2008) conduzida pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), constatou-se que o Brasil é o país em que os professores mais disperdiçam tempo dedicado ao ensino com outras atividades. Entre essas outras atividades estão as funções administrativas como preenchimento de diário de classe e reuniões pedagógicas, porém, constatou-se que o professor brasileiro também perde muito tempo chamando a classe à aula.

Assim, queridos alunos, coloquem-se na posição de professor por mais difícil que lhes seja isso, pois afinal, suas preocupações são bastante diferentes das nossas: você tem familiares que dependem de seu salário para manter suas necessidade básicas como alimentação moradia e vestuário, seu salário advém de seu emprego, que no caso, é o de ministrar aulas de história para ensino fundamental. Dessa maneira, seu suceso em ministrar aulas de história está diretamente ligado à satisfação das necessidades básicas não apenas suas, mas também de seus familiares, pessoas com as quais você mantém poderoso vínculos afetivos.

Quando um professor entra em sala de aula e eventual e estatisticamente, como vimos na reportagem a que nos referimos, se depara com alunos que não apresentam um comportamento adequado para o bom andamento de uma aula, imediatamente se vê constragindo a forjar um ambiente adequado para que essa aula suceda. Sem dúvida existem outras variáveis importantes que levam o professor a esse constrangimento como o desejo sincero pela promoção social de seus alunos, o profissionalismo em relação à proposta pedagógica da escola, entre tantos outros.

Enquanto prática, a dispersão de alunos dento de sala de aula tem se tornado objeto de estudo entre os educadores, assim, esses educadores têm desenvolvido metodologias para lidar com a situação, mas segundo me parece, a grande maior parte ainda se divide entre duas alternativas: o medo ou a submissão. Segundo percebo, alguns professores procuram outras maneiras de lidar com a indisciplina como a culpa, a afetividade, a amizade, mas outros métodos tem se mostrado cada vez menos eficazes.

Analisemos brevemente cada um deles: o medo tem sido utilizado desde o surgimento de humanidade como forma de coerção como fez a igreja católica na idade média citando apenas um exemplo. Já a submissão se processa quando professores experientes trabalham em instituições perniciosas nas quais mantém seus empregos sem necessariamente demostrar resultados efetivos no processo de aprendizagem de seus alunos.

Contudo, há mais de quinhentos anos atrás, um pensador florentino chamado Nicolau Maquiavel (1469 — 1527) escreveu e publicou uma obra chamada "O Príncipe", um manual para os usurpadores que buscavam subjugar e submeter as inúmeras cidades italianas do século XVI. A obra de Maquiavel tornou-se tão célebre que mesmo um adjetivo foi cunhado com seu nome: "maquiavélico", que significa "indivíduo ardiloso, pérfido, possuidor de mente treinada em arquitetar friamente atos de má-fé, em que há astúcia, perfídia, dolo".

A grande mudança promovida por Maquiavel foi suprimir a moralidade cristã bastante presente na Europa pós-medieval em detrimento de objetivos mais palpáveis como poder e riqueza. Vejamos alguns trechos d"O Príncipe":

"É melhor ser amado que temido ou o inverso?".


Fonte: http://commons.wikimedia.org/
Autoria Altobello Melone
Legenda: "Retrato de um cavalheiro" (1500-1524), provavelmente Césare Bórgia, de Altobello Melone. Césare Bórgia era o modelo de príncipe no qual Maquiavel se inspirou para escrever sua obra-prima.

"Os homens tem menos receio de ofender a quem se faz amar do que a outro que se faça temer; pois o amor é mantido por vínculo de reconhecimento, o qual, sendo os homens perversos, é rompido sempre que lhes interessa, enquanto o temor é mantido pelo medo do castigo, que nunca te abandona".

"Assim, voltando à questão sobre ser temido e amado, concluo que, como os homens amam segundo sua vontade e temem segundo a vontade do príncipe, deve este contar com o que é seu e não com o que é de outros, empenhandos-se apenas em evitar o ódio como dissemos".

"É preciso entender que um príncipe sobretudo um príncipe novo, não pode observar todas aquelas coisas pelas quais os homens são considerados bons, sendo-lhe frequentemente necessário, para manter o poder, agir contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade e contra a religião. Precisa, portanto, ter o espírito preparado para voltar-se para onde lhe ordenarem os ventos da fortuna e as variações das coisas e, como disse acima, não se afastar do bem, mas saber entrar no mal, se necessário."

Não faço aqui uma apologia de Maquiavel, muito menos uma apologia do medo, mas o filósofo florentino tem muito a nos ensinar sobre relações humanas.

Alguma dúvida?

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