sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Tarde em verde clínico...

Ainda é estranho voltar o pensamento à minha ausência em setembro.

Poucos dias antes da notícia do tumor que se desenvolvera no cerebelo de um parente muito próximo, concluia a leitura de "O Estrangeiro" (L’Étranger) do escritor existencialista franco-argelino Albert Camus, no qual a protagonista, Monsieur Meursault é acusado de assassinar um árabe argelino a tiros que investiu contra ele numa praia.

Todo o enredo do livro aponta para o julgamento e condenação à morte de Meursault, porém, a despeito do desfecho, Camus preocupa-se em demonstrar toda complexidade psicológica da protagonista, como está no primero parágrafo, talvez o mais importante para a literatura existencialista, pois aproximou o autor de "O Estrangeiro" do filósofo françês Jean-Paul Sartre:

"Hoje morreu a mãe. Ou talvez ontem, não sei. Recebi um telegrama do asilo: 'Mãe morta. Enterro amanhã. Sinceros sentimentos'. Isso não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem"

Impressionam como Camus traduz em algumas linhas com o homem preocupa-se mais com o tempo do que com a morte, ainda que ambos sejam tão próximos. A partir desse primeiro parágrafo, Meursault nos conduz em primeira pessoa ao seu cotidiano brutalizado pelo trabalho e os dias e sua percepção da efemeridade da vida. Apesar da complexidade manifesta na longa descrição na qual a protagonista dispende todo um domingo fumando e observando a movimentação das ruas e a brevidade com que descreve seu encontro com uma jovem com quem logo depois começa a relacionar-se, literatura de Camus nos conduz não apenas ao obtuso e rústico universo psíquico de Meursault, mas à sua dimensionalidade, espacilidade e representatividade complexas.

Com extrema habilidade, Camus consegue nos tornar apaixonados por Meursault quando o torna um criminoso.




Autoria reprodução (Affendaddy)
Fonte: http://www.flickr.com
Legenda: reprodução da capa do single do conjunto de punk britânico The Cure "Killing An Arab", que contém a música homônima inspirada no livro de Camus.

Apesar das diversas variáveis que influenciaram a protagonista a atirar no árabe uma vez e mais quatro quando este já estava ferido é a frieza diante da morte da mãe é o argumento principal utilizado pelo advogado da acusação para justificar o pedido da sentença de morte de Monsieur Meursault, demosntrando assim que Meursault não pode ser acolhido pela sociedade.


"Como se essa grande cólera tivesse lavado de mim o mal, esvaziado de esperança, diante dessa noite carregada de signos e estrelas, eu me abria pela primeira vez è terna indiferença do mundo. Ao percebê-la tão parecida a mim mesmo, tão fraternal, enfim, eu senti que havia sido feliz e que eu era feliz mais uma vez. Para que tudo fosse consumado, para que eu me sentisse menos só, restava-me apenas desejar que houvesse muitos espectadores no dia de minha execução e que eles me recebessem com gritos de ódio."


Fonte: http://davidcorreiajunior.wordpress.com/

Legenda: Albert Camus, sem data

Não seria capaz de traduzir em palavras o que senti quando tive a notícia sobre o tumor naquele sábado ensolarado e cheio de possibilidades, mas a partir daquele momento senti a indiferença do mundo e toda minha vida mudando.

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