segunda-feira, 8 de julho de 2013

Midiofobia - Um governo do 1%, pelo 1% e para o 1%

Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/um-governo-do-1-pelo-1-e-para-o-1/
Data: 3 de junho de 2013

Como venho escrevendo nas outras postagens, me parece que a questão mais importante acerca das manifestações no Brasil ocorrendo a um mês, é simples: o sistema capitalista democrático representativo não é capaz de atendar às demandas da sociedade moderna.

Já escrevi certa vez sobre o filme "Cosmópolis" do canadense David Cronemberg, que mostra a trajetória de um rico e jovem investidor da bolsa de valores atravessando a cidade com sua limousine em meio a manifestações para ter seu cabelo cortado. A abertura do filme e o mote ao longo de toda a trajetória de Eric Packer (interpretado por Robert Pattinson), é marcada por um poema do polonês Zbigniew Herbert entitulado "Report from the Besieged City" (numa tradução livre, Relatório da cidade sitiada), especificamente o trecho “a rat became the unit of currency." (em outra tradução livre, um rato se torna a unidade monetária).



Report from the Besieged City

Too old to carry arms and fight like the others -

they graciously gave me the inferior role of chronicler
I record - I don't know for whom - the history of the siege

I am supposed to be exact but I don't know when the invasion began
two hundred years ago in December in September perhaps yesterday at dawn
everyone here suffers from a loss of the sense of time

all we have left is the place the attachment to the place
we still rule over the ruins of temples spectres of gardens and houses
if we lose the ruins nothing will be left

I write as I can in the rhythm of interminable weeks
monday: empty storehouses a rat became the unit of currency
tuesday: the mayor murdered by unknown assailants
wednesday: negotiations for a cease-fire the enemy has imprisoned our messengers
we don't know where they are held that is the place of torture
thursday: after a stormy meeting a majority of voices rejected
the motion of the spice merchants for unconditional surrender
friday: the beginning of the plague saturday: our invincible defender
N.N. committed suicide sunday: no more water we drove back
an attack at the eastern gate called the Gate of the Alliance

all of this is monotonous I know it can't move anyone

I avoid any commentary I keep a tight hold on my emotions I write about the facts
only they it seems are appreciated in foreign markets
yet with a certain pride I would like to inform the world
that thanks to the war we have raised a new species of children
our children don’t like fairy tales they play at killing
awake and asleep they dream of soup of bread and bones
just like dogs and cats

in the evening I like to wander near the outposts of the city
along the frontier of our uncertain freedom.
I look at the swarms of soldiers below their lights
I listen to the noise of drums barbarian shrieks
truly it is inconceivable the City is still defending itself
the siege has lasted a long time the enemies must take turns
nothing unites them except the desire for our extermination
Goths the Tartars Swedes troops of the Emperor regiments of the Transfiguration
who can count them
the colours of their banners change like the forest on the horizon
from delicate bird's yellow in spring through green through red to winter's black

and so in the evening released from facts I can think
about distant ancient matters for example our
friends beyond the sea I know they sincerely sympathize
they send us flour lard sacks of comfort and good advice
they don’t even know their fathers betrayed us
our former allies at the time of the second Apocalypse
their sons are blameless they deserve our gratitude therefore we are grateful
they have not experienced a siege as long as eternity
those struck by misfortune are always alone
the defenders of the Dalai Lama the Kurds the Afghan mountaineers

now as I write these words the advocates of conciliation
have won the upper hand over the party of inflexibles
a normal hesitation of moods fate still hangs in the balance

cemeteries grow larger the number of defenders is smaller
yet the defence continues it will continue to the end
and if the City falls but a single man escapes
he will carry the City within himself on the roads of exile
he will be the City

we look in the face of hunger the face of fire face of death
worst of all - the face of betrayal
and only our dreams have not been humiliated

Zbigniew Herbert

Para outros poemas do autor clique aqui.

Não vou escrever sobre a relação do filme com o "Metrópolis" de Fritz Lang, sobre as duas revoluções industriais (acho que já escrevi sobre isso...), mas o que importa é dizer que talvez, como constataram pensadores como o filósofo esloveno Slavoj Žižek no movimento Occupy Wall Street, esse sistema não atende mais às demandas da sociedade. Tomando o Brasil e suas manifestações como exemplo, temos só na Folha de São Paulo de domingo passado três reportagens que demostram isso: a isenção do IPI para carros teria sido suficiente para criar 150 km de linhas de metrô (clique aqui), ou seja, mais do que o dobro do que temos hoje; as viagens de congressistas, em especial, os presidentes do Senado e da Câmara de Deputados (sendo o primeiro o presidente temporário caso a presidente e o vice-presidente estejam fora do país), para compromissos não oficiais como a final da Copa das Confederações e o casamento de amigos (clique aqui); e, por fim, a queda de popularidade da presidente que perde apoio em 2014 e precisa encontrar outras formas de governar a partir do ano que vem (clique aqui), ou seja, nomear aliados ou possíveis aliados para cargos, se necessário criado-os.

Alguns economistas e cientistas políticos defendem que esses são efeitos colaterais desse sistema democrático representativo, mas se trata de algo mais complexo, pois políticos se apropriam dessa autoridade, muitas vezes com autoritarismo, representativa comprometendo o princípio elementar da democracia, a vontade da maioria. Por exemplo, a política de alianças para manter a taxa de governabilidade é um problemas senão de todas, de quase todas, as democracias representativas, o que resultou no mensalão do PT, entre tantos outros mensalões Brasil afora. Tomando um exemplo de outros países, em defesa da segurança nacional contra o terrorismo, o governo estadunidense conseguiu uma liminar especial do Poder Judiciário para monitorar, através dos softwares PRISM e Tempora, os meios de comunicação de civis não apenas em seu país como no exterior.

A manutenção da democracia se tornou mais importante do qu a própria democracia.

Fonte: http://www.americavictorious.com/2013/06/11/putin-to-whistleblower-we-have-gymnasts-and-anna-chapman/
Legenda: a espiã russa, ex-KGB, Ann Chapman que propôs casamento a Edward Snowden para que se refugie na Rússia.


Fonte: http://www.barbara-bach.com/spywholovedme3.html
Legenda: Qualquer semelhança é mera conincidência... A espiã Anya Amasova, representada por Bárbara Bach na série 007, "O espião que me amava" (1977)... Sobretudo se o possível casal acabar nas páginas de revistas ganhando alguns milhões...

Talvez o que muitos comentaristas não tenham percebido é que o governo, como afirma o economista nobel Joseph Stiglitz, ao qual pretendo dedicar outra postagem, "do 1%, pelo 1% e para o 1%" tanto no seu aspecto político democrático como no seu aspecto econômico capitalista, está em crise, e isso se reflete nas manifestações no Brasil, no movimento Occupy Wall Street, na Primavera Árabe, nos protestos no Chile, enfim, em grande parte dos movimentos políticos e sociais que vemos noticiados pela mídia.

E talvez isso seja o mais importante das minhas reflexões sobre os movimentos de protesto no Brasil e no mundo: diante dessa constatação, será que existe interesse, sobretudo da classe política e empresarial, em reformar as instituições democráticas de forma a implementar uma política adequada às demandas da sociedade moderna?

Tomando o caso brasileiro, é preciso pontuar que o PT se mostra, através da presidente Dilma Roussef, "ouvinte das vozes das ruas", mas tem feito muito pouco, pois a proposta de uma constituinte ou de uma reforma política - essa última de absoluta importância - se torna vítima da política criada pelo próprio governo petista na eleição de Lula: um governo federal inchado com o apoio do Congresso mensaleiro que se tornou um poder independente e assumiu funções em excesso, sobretudo, legislativas e judiciárias. Com a perda de apoio após os protestos, o poder do governo federal se esvaziou, pois as funções políticas para criação de qualquer tipo de consulta popular pertencem efetivamente à Câmara dos Deputados e o Senado, e qualquer interferência do Executivo nesse momento poderia ser interpretada como intervencionista. Por outro lado, o PSDB, não como partido, pois o PSDB como partido simplesmente não existe, mas representado na minha realidade paulistana pelo governador Geraldo Alckmin, ainda que não tenha o mesmo poder de atuação que o PT como governo federal, ao menos foi capaz de pensar em como limitar os gastos fundindo e extinguindo algumas secretarias, cortando benefícios, entre outros, mesmo sem propostas efetivas para mudança da política nacional ou estadual.

Me parece que dirigentes de outros países também tem sido negligentes, o que me leva a uma nova questão: se não existe a possibilidade de reforma política desse sistema capitalista democrático representativo, como desenvolver outros mecanismos de atuação política e econômica? Com a premissa da razão como única medida comum entre todos os homens, os filósofos ilmunistas desenvolverem o modelo político moderno ao longo do século XVIII, porém , diante de sinais de esgotamento, econômicos como a Crise de 1929, ou políticos, como o desemprego em massa da Primeira Revolução Industrial, surgem outras possibilidades experimentadas durante o século XIX e XX, como o comunismo e o fascismo. Me parece que diante de um novo esgotamento, existem no mundo moderno condições para novas experimentações (talvez essa última reflexão seja apenas reflexo de uma perspectiva histórica incrédula influenciada pela matéria ministrada no segundo bimestre) ou velhas experimentações revisitadas...

Sob certo ponto de vista, algumas condições econômicas e políticas da atualidade são similares da às da República de Weimar nos anos 20 quando da ascensão do nazismo na Alemanha como a desilusão política (hoje, pela falta de representativadade da democracia, antes, pela acirrada disputa de poder entre os partidos surgidos a partir do fim da Primeira Guerra Mundial) e as crises econômicas (hoje, a crise de crédito de 2008, antes, a crise de hiperinflação em 1923 e a Crise de 1929).

Não pretendo acusar manifestantes ou imprensa, mas dadas condições próximas, seria interessante comparar alguns discursos no Brasil, sobretudo de manifestantes, imprensa e dirigentes do país, com as observações da filósofa Hanna Arendt no que se refere à ascensão do nazismo na Alemanha:

Seria um erro ainda mais grave esquecer, em face dessa impermanência, que os regimes totalitários, enquanto no poder, e os líderes totalitários, enquanto vivos, sempre "comandam e baseiam-se no apoio das massas". A ascensão de Hitler ao poder foi legal dentro do sistema majoritário, e ele não poderia ter mantido a liderança de tão grande população, sobrevivido a tantas crises internas e externas, e enfrentado tantos perigos de lutas intrapartidárias, se não tivesse contado com a confiança das massas.
[...]
Os movimentos totalitários são possíveis onde quer que existam massas que, por um motivo ou outro, desenvolveram certo gosto pela organização política. As massas não se unem pela consciência de um interesse comum e falta-lhes aquela específica articulação de classes que se expressa em objetivos determinados, limitados e atingíveis. O termo massa só se aplica quando lidamos com pessoas que, simplesmente devido ao seu número, ou à sua indiferença, ou a uma mistura de ambos, não se podem integrar numa organização baseada no interesse comum, seja partido político, organização profissional ou sindicato de trabalhadores. Potencialmente, as massas existem em qualquer país e constituem a maioria das pessoas neutras e politicamente indiferentes, que nunca se filiam a um partido e raramente exercem o poder de voto.
Em sua ascensão, tanto o movimento nazista da Alemanha quanto os movimentos comunistas da Europa depois de 1930 recrutaram os seus membros dentre essa massa de pessoas aparentemente indiferentes, que todos os outros partidos haviam abandonado por lhes parecerem demasiado apáticas ou estúpidas para lhes merecerem a atenção. A maioria dos seus membros, portanto, consistia em elementos que nunca antes haviam participado da política. Isto permitiu a introdução de métodos inteiramente novos de propaganda política e a indiferença aos argumentos da oposição os movimentos, até então colocados fora do sistema de partidos e rejeitados por ele, puderam moldar um grupo que nunca havia sido atingido por nenhum dos partidos tradicionais.


ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. pág. 356, 360, 361.

Sob nenhum aspecto a história pode ser tomada como uma ciência de caráter cíclica, no qual a história pura e simplesmente se repete, mas pode ser interpretada por seu caráter espiral, como um fio de telefone, quando ainda existiam fios nos telefones, no qual segue uma linearidade que retoma a circuntânccias semelhantes a anteriores. Para os que se identificam com os atuais protestos, vale a pena se quisetionar a respeito dessas reflexões. Minha sugestão é não esquecer.

O Analfabeto Político

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

Bertolt Brecht

Fonte: http://pensador.uol.com.br/frase/MjMzMDA5/

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